Brasil garante assento em conselho na ONU e sinaliza campanha conservadora
Com novo mandato, governo usará sua presença nas Nações Unidas para defender uma transformação ideológica da agenda de direitos humanos. No lugar dos direitos das minorias e de grupos vulneráveis, o foco estará na promoção dos valores cristãos, do entendimento de que só existe sexo biológico e da família tradicional composta por um homem e uma mulher.
GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro conseguiu ser eleito para mais um mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Para somar o apoio necessário, o Itamaraty fechou acordos políticos, trocou votos e até mesmo evitou fazer campanha contra seu rival, a Venezuela.
O Brasil concorria contra outros dois países para um total de apenas duas vagas para a América Latina. Os demais eram considerados como candidaturas problemáticas. Uma delas era a Venezuela de Nicolas Maduro, acusado de graves violações de direitos humanos, inclusive pela ONU. Já o terceiro candidato era a Costa Rica, que entrou na corrida apenas na semana passada.
No resultado anunciado nesta quinta-feira pela Assembleia Geral da ONU, o Brasil somou 153 votos, contra 105 da Venezuela. Pelas regras, países precisavam de pelo menos 97 votos e Caracas não ficou distante de uma eventual derrota. Mas foi a Costa Rica que acabou ficando de fora, com 96 apoios.
Na primeira eleição para o Conselho, em 2006, foram 165 votos dados para o Brasil. Em 2008, na renovação do mandato, mais 175 votos. Em 2012, o Brasil atingiu uma marca inédita de 184 apoios, praticamente um consenso.
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Mas, em 2016, ao ser eleito para o Conselho de Direitos Humanos, o governo de Michel Temer recebeu apenas 137 votos. Na mesma votação, Cuba ficou com 160 votos.
Durante a campanha em 2019, houve uma forte preocupação por parte de diplomatas brasileiros. Bolsonaro, seu clã e seu chanceler compraram brigas com parceiros comerciais, aliados históricos e usaram a ofensa pessoal como estratégia política. A crise dos incêndios na Amazônia também não ajudou, enquanto falas do presidente em apoio a ditadores sanguinários assustou a muitos.
Mas, nos bastidores, o governo saiu em busca de apoios e, desde a semana passada, o Itamaraty já afirmavam que tinha os votos necessários. A estratégia usada foi a de não falar em direitos humanos e simplesmente entrar num comércio intenso de votos.
Brasília, por exemplo, aceitou um acordo para trocar votos com a França. Paris apoiaria o Brasil no Conselho, em troca de um voto do Itamaraty para que um candidato de Emmanuel Macron fosse eleito em outro organismo internacional.
O blog apurou que dezenas de votos foram conseguidos usando essa estratégia, puramente política.
Mas numa das manobras mais surpreendentes, o governo brasileiro optou por não fazer uma campanha explícita contra a Venezuela. Foi apenas nesta semana que o Itamaraty se declarou oficialmente contrário ao pleito de Caracas, quando já sabia que os votos estavam praticamente encaminhados.
A meta, ao evitar antagonizar com Maduro, era o de também recolher os votos para o Brasil entre os membros do Movimento dos Países Não-Alinhados, grupo de emergentes e que representa um um terço de todos os membros na ONU.
Brasil pode usar assento para campanha conservadora
No Brasil, de forma inédita, indígenas, ambientalistas, defensores de direitos humanos, movimento negro e dezenas de outros lançaram um apelo para que governos estrangeiros não votassem pelo Brasil.
Agora, ao ser eleito, as dúvidas que pairam no ar se referem à estratégia que a diplomacia ideológica do Itamaraty adotará. Em sua campanha, não houve referência ao combate contra a tortura, a defesa da população LGBT e nem a situação das prisões.
No seu lugar, o Brasil deu atenção especial para a religião e a família tradicional. Experientes observadores em Genebra alertam que isso pode ser uma sinalização clara de que, ao ser eleito para mais um mandato, o Brasil usará sua presença para ajudar a promover uma mudança na agenda de direitos humanos da ONU.
Nos últimos meses, o Brasil já passou a questionar termos como "gênero", vetou referências à "educação sexual" e insistiu no reforço de que sexo é definido apenas de forma biológica.
Nos próximos meses, o governo indicou que quer montar uma bancada na ONU para defender a família tradicional, num sinal de que poderá apresentar propostas com forte conteúdo conservador. Uma aliança religiosa para defender cristãos contra perseguição também está sendo montada.
Com a vitória, o Brasil permanecerá no Conselho até o final de 2022 e, para muitos, será também a voz do governo americano no organismo. Donald Trump optou por se retirar da entidade. Mas continua a influenciar as decisões do Conselho.
Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, alertou que a sociedade civil continuará a pressionar o governo. "A eleição do Brasil não significa um cheque em branco para o governo atuar como deseja no Conselho", disse. "As regras da ONU contemplam a possibilidade de um membro-eleito ser suspenso ou até mesmo expulso. A sociedade civil seguirá com o seu trabalho de denunciar a situação de violações de direitos humanos no país, além de monitorar a política externa brasileira e cobrar da comunidade internacional uma maior atenção a esse cenário", completou.
Eleitos
Além de Brasil e Venezuela, o órgão da ONU terá ainda países como Armênia, Alemanha, Indonésia, Japão, Líbia, Mauritânia, Namíbia, Polônia, Sudão, Holanda e Coreia do Sul.
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