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Relator da ONU pede a Bolsonaro explicação sobre pai de presidente da OAB

Jamil Chade

14/10/2019 19h47

O presidente Jair Bolsonaro em evento militar no Rio de Janeiro (Mauro Pimentel/AFP)

Segundo as Nações Unidas, qualquer pessoa que obstrua as investigações ou retenha tais informações pode ser responsabilizada pela continuação do cometimento de um desaparecimento forçado. A retenção de informações sobre um desaparecimento é, portanto, parte constitutiva do crime de desaparecimento forçado. 

GENEBRA – Relatores da ONU alertaram que o presidente Jair Bolsonaro tem a obrigação de explicar seus comentários feitos sobre o desaparecimento de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.

Numa carta enviada ao governo em agosto e obtida pelo UOL, o presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados, Bernard Duhaime, e o relator da ONU para o Direito à Verdade, Fabian Savioli, fazem um alerta: "qualquer pessoa que obstrua as investigações ou retenha tais informações pode ser responsabilizada pela continuação do cometimento de um desaparecimento forçado".

Em julho, Bolsonaro disse que poderia "contar a verdade" sobre como o pai de Santa Cruz desapareceu na ditadura militar. O atual presidente da OAB é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, integrante do grupo Ação Popular (AP), organização contrária ao regime militar.

Bolsonaro insinuaria que Fernando teria sido morto por seus próprios companheiros.

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"Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade", disse Bolsonaro. "Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro", disse.

Corpo incinerado em usina

De acordo com a carta enviada pela ONU, o desaparecimento forçado do Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi investigado pela Comissão Nacional da Verdade, que concluiu que ele foi "preso e assassinado por agentes do Estado brasileiro e continua desaparecido".

Depois de ser preso em 1974, ele nunca mais seria visto. Num dos relatos, ex-delegado do Dops Cláudio Guerra explicou que o corpo de Fernando foi incinerado num forno de uma usina de açúcar.

"Seu desaparecimento forçado ocorreu no contexto de sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar estabelecida no Brasil em abril de 1964", apontou a carta da ONU.

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"Gostaríamos de expressar nossa preocupação com as declarações públicas feitas pelo presidente Bolsonaro sobre o desaparecimento forçado do Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, que causam dor e confusão aos familiares da vítima e levam à sua revitimização", alertaram os relatores.

"Gostaríamos de lembrar que o desaparecimento forçado é um crime complexo que não só afeta a pessoa que desapareceu, mas também inflige sofrimento à família da vítima. O direito internacional deixa claro que a contínua privação da verdade sobre o destino de uma pessoa desaparecida constitui um crime cruel, desumano e degradante", insistiram.

"Por esta razão, negar tal informação poderia implicar a participação no tratamento cruel, desumano e degradante sofrido pela família", alertaram.

"Manifestamos ainda a nossa preocupação pelo fato de a informação alegadamente conhecida pelo presidente Bolsonaro parecer ter sido ocultada à família da vítima e às autoridades competentes para investigação, o que poderia implicar uma violação da obrigação do Estado de investigar e fornecer todas as informações disponíveis sobre casos de desaparecimentos forçados", destacaram os relatores.

ONU deu prazo de 60 dias

A carta solicita que o governo indique se o presidente Bolsonaro "forneceu ou planeja fornecer às autoridades competentes todas as informações pertinentes sobre as circunstâncias do desaparecimento do Sr. Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira".

"Se a informação já tiver sido partilhada com as autoridades competentes, indicar quais as autoridades que receberam essa informação e que medidas foram tomadas até então para a processar e investigar", perguntaram.

Enviada no dia 13 de agosto, a carta solicitava uma resposta do estado brasileiro num período de 60 dias. "Enquanto aguardamos uma resposta, pedimos ao presidente Bolsonaro que forneça sem demora qualquer informação que possa ter sobre o destino do Sr. Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira às autoridades competentes para facilitar as investigações sobre seu contínuo desaparecimento", completaram.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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