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Teste para Bolsonaro, candidatura do Brasil na ONU passa a ficar ameaçada

Jamil Chade

03/10/2019 11h46

Em protesto à presença de chanceler de Maduro na ONU, Brasil deixou suas cadeiras vazias no Conselho de Direitos Humanos, nesta quinta-feira. Foto: Jamil Chade

 

 

GENEBRA – O governo da Costa Rica anunciou nesta quinta-feira que se lançou à corrida por uma vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU, num esforço para impedir uma vitória da Venezuela na eleição. Mas faltando apenas doze dias para a votação, a iniciativa é também vista como uma ameaça à própria candidatura do Brasil para o cargo e deixa o Itamaraty em estado de alerta.

No dia 15 de outubro, a Assembleia Geral da ONU escolherá os dois países latino-americanos que terão seus mandatos no Conselho entre 2020 e 2022. Mas, até agora, existiam apenas dois candidatos: Brasil e Venezuela.

Na prática, a falta de um terceiro nome colocaria quase automaticamente Brasilia e Caracas no Conselho. Bastaria que somasse 97 dos 194 votos possíveis.

Nos bastidores da ONU, a insatisfação era elevada com a possibilidade de que o regime de Nicolas Maduro recebesse mais um mandato, diante das graves violações de direitos humanos denunciados pela própria ONU. Mas, ironicamente, era o Brasil quem resistia à ideia de que um terceiro candidato para frear Maduro fosse apresentado.

O temor do Itamaraty era de que, com sua popularidade em baixa pelo mundo e amplas críticas à falta de compromisso do governo de Jair Bolsonaro com os direitos humanos, o Brasil fosse o principal afetado pelo surgimento de um terceiro candidato.

A lógica defendida por meses pelo Itamaraty era de que o novo nome não atrairia os votos dos tradicionais aliados da Venezuela, como Rússia, China, África do Sul, Turquia, Coreia do Norte, Síria e dezenas de outros.

No caso, o cenário avaliado era de que, ao se apresentar, um terceiro país roubaria votos que poderiam ir ao Brasil. Sem opção, muitos na Europa, América Latina e outras democracias indicaram que teriam de votar pelo governo brasileiro na ONU para não dar seu apoio para a Venezuela. Mas também indicaram que, se tivessem uma opção, não dariam seu voto nem ao Brasil e nem aos venezuelanos.

Agora, podem ser essa opção com o surgimento do pleito da Costa Rica.

Oficialmente, o presidente da Costa Rica, Carlos Alvarado Quesada, declarou que estava se lançando ao posto para frear Maduro. "Pelas graves violações contra os direitos humanos que evidenciou o informe da Alta Comissária de Direitos Humanos, o regime da Venezuela não é um candidato adequado para o Conselho de Direitos Humanos da ONU", escreveu. "Costa Rica se apresenta como alternativa", anunciou.

Mas a iniciativa foi recebida em Brasilia e mesmo por representantes de Juan Guaidó como um "duro golpe" contra as pretensões de Jair Bolsonaro na ONU. Na chancelaria, encontros entre diplomatas do presidente auto-declarado da Venezuela e o Itamaraty foram marcados para horas depois do anúncio.

A eleição é vista como o maior teste internacional até agora do governo, numa espécie de termômetro de sua popularidade. Mas com um discurso que ofendeu líderes internacionais nas últimas semanas e uma passagem desastrosa pela Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro aprofundou a antipatia de vários governos em relação ao Brasil.

Nos gabinetes de chancelarias pelo mundo, o governo brasileiro tem sido ativo na busca de aliados e votos. Mas, segundo o UOL apurou, a negociação por apoio não passa por assuntos de direitos humanos.

O governo tem trocado promessas de votos a determinados governos e reciprocidade na eleição de outros países para outros orgãos internacionais.

Ongs brasileiras como a Conectas e a Associação Brasileira LGBT já fizeram um apelo para que governos estrangeiros não votem pelo Brasil, diante do comportamento do governo em relação aos direitos humanos e o desmonte das instituições nacionais no setor. Nos próximos dias, entidades brasileiras e internacionais devem se somar ao apelo contra a candidatura do Brasil, algo inédito na Era Democrática.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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