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Viés ideológico transforma votos do Brasil na ONU

Jamil Chade

26/09/2019 12h47

Trump discursa na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no ano passado. (Wang Ying/Xinhua)

 

GENEBRA – O Itamaraty decidiu modificar nesta quinta-feira seus votos na ONU, inclusive sobre temas com os quais concorda e resoluções que tradicionalmente apoiou. O motivo: eram temas propostos pelo governo de Cuba.

A atitude chamou a atenção de diplomacias de outras regiões, acostumadas a ver o Brasil adotando posturas de princípio e evitando politizar o debate sobre os direitos humanos. A mudança de votos é um reflexo direto da contaminação ideológica da política externa brasileira, que passou a ver o "socialismo" como uma ameaça.

No Conselho de Direitos Humanos da ONU, três resoluções diferentes foram propostas por Havana, o que já é uma tradição no organismo internacional.

Na primeira delas, Cuba liderava um grupo que pedia para que a ONU tivesse, entre seus funcionários, cidadãos de todo o mundo, e não apenas de países ricos. O Brasil, porém, se absteve. A resolução, ainda assim, foi aprovada com ampla margem de vantagem.

Horas depois, uma vez mais Cuba lideraria uma outra resolução, desta vez pela promoção de uma "ordem democrática e equitativa". E, uma vez mais, o Brasil optou por se abster.

Maria Nazareth Farani Azevedo, embaixadora do Brasil na ONU, tomou a palavra para se explicar. Segundo ela, o governo brasileiro concorda com o tema e apoia o conteúdo do texto. Mas alertou que Havana "não tem a legitimidade para liderar" o debate sobre o assunto.

Momentos depois, Cuba apresentaria uma resolução tradicional que condena abusos de direitos humanos por parte de mercenários, além de alertar para os riscos desses grupos ao princípio da autodeterminação.

O Brasil, mantendo a nova lógica, abandonou sua posição tradicional de apoiar o texto – algo que havia feito por anos – para se abster diante da proposta. A resolução, assim como todas as demais, foi aprovada.

A recusa do governo em apoiar textos propostos por Cuba ocorre dias depois que o presidente Jair Bolsonaro usou seu discurso na Assembleia Geral da ONU para fustigar o regime de Havana e até alertar que o governo da ilha teria enviado agentes ao país nos anos 60. Donald Trump, que discursou minutos depois de Bolsonaro, também atacou Cuba.

Para observadores, a atitude do Brasil vai na direcção contrária ao mantra da diplomacia brasileira de combater e criticar abertamente a politização dos debates sobre direitos humanos. Ao longo de anos, essa posição brasileira era considerada como um "ativo" do Itamaraty para poder dialogar com diferentes partes num conflito.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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