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Aproximação ao governo dos EUA derruba candidato brasileiro na OMC

Jamil Chade

25/09/2019 04h05

Jair Bolsonaro e Donald Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca (REUTERS)

 

GENEBRA – O governo brasileiro foi obrigado a retirar a candidatura de um de seus embaixadores para presidir uma negociação na Organização Mundial do Comércio. O motivo: a aproximação do Brasil ao governo dos EUA levou a Índia a vetar o nome do brasileiro.

O impasse forçou o Itamaraty a rever sua posição e abrir mão do cargo, para permitir que a negociação na OMC fosse mantida sem que mais uma crise seja criada na entidade.

Os indianos indicaram explicitamente que a recusa em aceitar o candidato brasileiro não tinha relação com o nome do embaixador apresentado. Tratava-se de um experiente diplomata, reconhecido por sua capacidade de diálogo e por seu profundo conhecimento. O problema, segundo os asiáticos, era a posição do governo brasileiro e seus acordos com a administração Trump.

As regras do comércio permitem, hoje, que um país em desenvolvimento leve mais tempo para cumprir certas exigências internacionais, que mantenham suas tarifas mais elevadas e que possam subsidiar certos setores da economias em patamares superiores aos demais países ricos.

Os americanos alertam que a regra faz sentido para países pobres. Mas não poderia ser aplicado para economias como a da China, Coreia do Sul ou Cingapura.

Em sua primeira viagem aos EUA, Bolsonaro fechou um acordo com Donald Trump. Os americanos dariam o apoio para que o Brasil fizesse parte da OCDE e, em troca, o Itamaraty abriria mão de sua condição de país em desenvolvimento nas futuras negociações comerciais.

O governo aceitou a proposta da Casa Branca. O problema é que, na OMC, a postura do Brasil abriu um sério debate entre os emergentes. Ao aceitar o novo status, o Itamaraty criou um precedente aos demais países em desenvolvimento, já que serão obrigados a seguir os mesmos passos da chancelaria brasileira.

O governo da Índia foi um dos que mais se sentiu incomodados com a posição brasileira e, quando o Itamaraty apresentou um candidato para presidir as negociações sobre os subsídios à pesca, Nova Delhi apresentou seu veto.

Os indianos alegavam que não poderiam aceitar, como mediador, um representante de um governo que havia fechado um acordo com os EUA para modificar as regras dos países emergentes. Para frear a candidatura brasileira, propuseram o nome do Sri Lanka.

O Itamaraty tinha o apoio dos países latino-americanos, africanos, europeus e dos EUA. Mas o veto indiano ameaçava criar mais uma crise na OMC, já combalida.

A solução avaliada dentro do próprio governo foi a de retirar a candidatura brasileira, com a condição de que o Sri Lanka também saia da corrida e a vaga continue para a América Latina. Até sexta-feira, um novo nome deve ser indicado na região.

Na OMC, o Brasil já indicou que quer ser "parte da solução", e não dos problemas da entidade. O gesto brasileiro foi aplaudido por outros países da região.

Dentro do governo brasileiro, porém, a posição indiana foi interpretada como "oportunista". A visão de Brasília e de muitos na OMC é de que a Índia não quer um acordo comercial no setor de pesca e, portanto, precisava encontrar um pretexto para criar um impasse e atrasar o processo.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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