Portaria de Moro sobre deportação é denunciada na ONU
Jamil Chade
18/09/2019 09h03
Sede da ONU, em Genebra. Foto: Jamil Chade
Ação de ongs obrigou o governo brasileiro a pedir a palavra em reunião da ONU para responder às críticas e defender portaria
GENEBRA – Foi transferido para a ONU o debate sobre a portaria 666 do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. A medida permite a deportação sumária de estrangeiros e impede que entrem no país suspeitos de envolvimento em crimes como terrorismo e exploração sexual infantil.
Nesta quarta-feira, coube à entidade Conectas Direitos Humanos, em parceria com a Missão Paz, fazer a denúncia diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU. As organizações apelaram para que o governo abandone a proposta e pediu que as entidades internacionais pressionem o Brasil.
Num discurso diante dos governos estrangeiros, as ongs classificaram a portaria como "um ataque pelo governo Bolsonaro à nova lei de imigração do Brasil", aprovada em 2017.
"Recentemente, o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, emitiu o Decreto 666, que prevê que as pessoas suspeitas de serem perigosas ou suspeitas de um crime podem ser arbitrariamente impedidas de entrar no país e ser sujeitas a deportação sumária", declarou a Conectas.
"O decreto em questão viola a Nova Lei de Migração, o direito internacional e muitos princípios constitucionais, incluindo o princípio da dignidade humana, a presunção de inocência e o devido processo legal", denunciou.
A entidade lembrou que o decreto "tem sido criticado por diversas organizações, incluindo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados no Brasil".
O pedido das ongs é de que o Conselho de Direitos Humanos da ONU "acompanhe os retrocessos relativos à proteção dos direitos humanos de migrantes, refugiados e requerentes de asilo no Brasil".
"Instamos também o Governo Federal e o ministro Moro a revogarem o Decreto 666, a respeitarem as disposições da Constituição Brasileira, bem como a salvaguardarem e respeitarem a Nova Lei de Migração", declarou.
A intervenção obrigou o Itamaraty a ter de pedir a palavra durante a reunião do Conselho para dar uma resposta às críticas.
De acordo com a delegação brasileira, a portaria é dirigida especificamente a pessoas envolvidas em terrorismo, crime organizado, tráfico de drogas ou armas. O governo lembrou que, em tais circunstâncias, essas pessoas "não seriam bem-vindas em grande maioria dos estados-membros da ONU".
O governo, apontando para o fato de que o caso será avaliado pelo Judiciário, insistiu que ninguém é impedido de entrar no Brasil ou deportado por conta de raça, nacionalidade, opinião política ou religião.
A delegação ainda insistiu que o Brasil tem recebido milhares de venezuelanos e que, no passado recente, também recebeu haitianos e sírios.
Na semana passada, na ONU, a embaixadora do Brasil, Maria Nazareth Farani Azevedo, declarou que o país tinha "a melhor" lei de imigração, evitando falar das críticas das agências das Nações Unidas.
Na última sexta-feira, a Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal, solicitando uma liminar para a revogação imediata do Decreto.
Nesta semana, ela criticou a portaria, indicando que ela fere a "dignidade humana". Ao escrever ao Supremo Tribunal Federal, ela considerou que"ao criar as anômalas figuras da 'deportação sumária' e do 'repatriamento' 'por suspeita', não condizentes com a abrangência delimitada pela normativa legal e constitucional". "Em suma, a portaria exorbita o espaço normativo reservado pela Constituição à regulamentação".
Sua avaliação é de que ela ainda "viola os direitos à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e presunção de inocência de estrangeiros; fragiliza o direito ao acolhimento; e ofende os princípios da publicidade, da liberdade de informação e do acesso à justiça".
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)