Viagem de Bolsonaro gera protestos dentro e fora da ONU
Jamil Chade
16/09/2019 13h43
Trump discursa na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no ano passado. (Wang Ying/Xinhua)
Indígenas, ambientalistas, defensores de direitos humanos e deputados estarão na sede da ONU em Genebra para denunciar políticas do governo brasileiro, enquanto uma carta pede que secretário-geral da ONU condene atos de Bolsonaro.
GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro receberá sucessivos ataques nesta semana na ONU, às vésperas de sua viagem para abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas. Grupos de ambientalistas, de defensores de direitos humanos, indígenas, deputados e ongs apresentarão uma série de denúncias contra o governo brasileiro, enquanto manifestações se organizam em diferentes partes da cidade norte-americana.
Os protestos passaram a fazer parte das viagens do presidente, desde seu primeiro deslocamento para Davos, em janeiro. Desta vez, as denúncias vão ocorrer tanto nas ruas como nas salas de reunião da ONU.
Em Nova Iorque, os protestos começam a partir desta terça-feira. Manifestantes estarão em uma das praças da cidade para debater "'Por que #Cancelar Bolsonaro?". Na sexta-feira será a vez da Marcha da Juventude ser dedicada às questões ambientais, com foco na Amazônia. No dia 23, entidades convocam um "ato de resistência" contra Bolsonaro, também em Nova Iorque.
No dia seguinte, data de abertura da Assembleia Geral da ONU e do discurso do brasileiro, protestos nas ruas também estão sendo organizados. A programação ainda continua no dia 25 de setembro, com a coalizão #cancelBolsonaro. Já no domingo, ações estão sendo organizadas para expôr a situação da Amazônia e dos povos indígenas.
Na semana passada, uma carta foi assinada por mais de mil pessoas e entidades, pedindo ao secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, que não permaneça em silêncio diante das medidas adotadas pelo governo brasileiro no setor ambiental.
"Estamos escrevendo para expressar nossa indignação ao fato da 74ª Assembléia Geral das Nações Unidas de 2019, com dedicação especial à Cúpula de Ação Climática, ser inaugurada por Jaír Bolsonaro, Presidente do Brasil, um negador da mudança climática que, durante o curto período de sua presidência, supervisionou a destruição sem precedentes da Amazônia e a rápida reversão de décadas de tentativa de progresso ambiental e de direitos humanos na região", disseram os ativistas.
"A Amazônia é predominantemente um patrimônio brasileiro, lar de mais de um milhão de indígenas e também um patrimônio mundial. O ataque à Amazônia e seus habitantes viola vários princípios básicos que hoje determinam algumas das diretrizes mais proeminentes das Nações Unidas: a necessidade de ação climática, inclusão, diversidade e ao mesmo tempo reverter os ganhos sociais do último meio século em relação à equidade e inclusão. Nós exortamos a V. Exa. a assumir uma posição de princípio e necessária condenando Bolsonaro e suas ações. Pedimos a V. Exa. que, como Secretário-Geral, repreenda Bolsonaro formalmente", apelam as entidades e indivíduos.
A ofensiva não ocorrerá apenas em Nova Iorque. Em Genebra, sede do Conselho de Direitos Humanos da ONU, as denúncias prometem ampliar a pressão sobre o Itamaraty e sobre a imagem internacional do país.
Bolsonaro deve usar seu discurso em Nova Iorque para reforçar a posição do governo da defesa da soberania sobre a Amazônia e indicar que o governo tem a situação sob controle. Mas, nos bastidores, o temor de diplomatas é de que sua viagem seja marcada por protestos. A delegação brasileira não descarta dificuldades para organizar encontros bilaterais com outros chefes-de-estado, hesitantes em ver sua imagem relacionada com a do brasileiro.
Mas uma onda de críticas a partir de amanhã, em diferentes eventos internacionais, poderá ampliar o mal-estar e também prejudicar a campanha que o Brasil faz para conseguir renovar seu mandato por mais três anos, no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Entre os ativistas brasileiros, ainda se discute a possibilidade de que alguns deles lancem um apelo à comunidade internacional para que não votem pelo governo na eleição marcada para outubro.
Enquanto isso, um dos pontos centrais das denúncias virá de grupos indígenas. Na ONU, eles tratarão da "responsabilidade internacional" do governo em garantir aos povos tradicionais proteção. Eles também reforçarão o apelo para que a demarcação de terras seja retomada. Bolsonaro já indicou que, sob seu governo, isso não deve ocorrer.
Numa nota divulgada em seu site sobre as denúncias que serão feitas, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) alerta que, só no mês de janeiro deste ano, pelos menos 14 terras indígenas demarcadas registraram roubo de madeira, derrubada de floresta para pastagens e, ainda mais grave, a abertura de picadas e estabelecimento de lotes para ocupação ilegal dos territórios tradicionais.
"Outras violências rondam o histórico avanço do agronegócio sobre terras indígenas: desmatamento por madeireiros, produtores de soja e pecuária; e contaminação de rios e nascentes ou por nuvens de pó de calcário e agrotóxico", denunciam.
Também nesta semana na ONU, o Cimi organizará com a Rede Eclesial PanAmazônica (Repam) um debate sobre as situações de violações de direitos humanos nas fronteiras do Brasil.
Amazônia
Outro aspecto será o da Amazônia. Grupos indígenas vão usar as reuniões da ONU para falar dos incêndios. O governo brasileiro, de forma insistente, tem tomado a palavra em fóruns internacionais para garantir que tais queimadas não estão fora da média dos últimos anos e que a responsabilidade seria do período de secas.
Nesta semana, deputados também se reunirão com diferentes relatores na ONU para apresentar denúncias contra o governo. Um deles é o presidente Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Helder Salomão (PT-ES). Ele irá apresentar um relatório sobre temas como desigualdade social, violência contra a mulher, meio ambiente e o desmonte de políticas públicas.
Ainda nesta semana, mais de 20 entidades da sociedade civil ainda apresentarão os resultados de um levantamento na ONU sobre a violência policial, sobre a situação das prisões, sobre a discriminação contra a população LGBTI, saúde e educação.
Um dos alertas se refere ao corte de verbas para áreas sociais e o desmonte de políticas públicas, além das estruturas de participação da sociedade civil.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)