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Deputados pressionam Itamaraty sobre ditadura e cobram acesso a documentos

Jamil Chade

12/09/2019 04h00

Fachada do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. (Divulgação)

 

Chanceler deu instruções para que diplomatas tratem Golpe de 64 como "evento" e classificou como sigilosos os telegramas sobre temas de direitos humanos, inclusive sobre gênero e educação sexual, evocando inclusive ameaça à segurança nacional. 

 
GENEBRA – Um grupo de deputados federais pediu para ter acesso às instruções enviadas pelo Itamaraty aos diplomatas do país na ONU. O requerimento foi apresentado depois que a reportagem do UOL revelou como, na sede das Nações Unidas nesta semana, o governo se recusou a responder em uma reunião se considerava os atos de 1964 pelos militares como um golpe de estado ou não.

Cobrado publicamente na ONU, Itamaraty tampouco comentou os elogios de Jair Bolsonaro a ditadores sul-americanos e insistiu em chamar 1964 de um "evento".

O documento foi enviado ao chanceler Ernesto Araújo pelos deputados do PSOL, entre eles Ivan Valente, Fernanda Melchionna, Áurea Carolina, Edmilson Rodrigues, Luiza Erundina, Sâmia Bomfim, David Miranda, Glauber Braga, Marcelo Freixo e Talíria Petrone.

Na carta ao Itamaraty, o grupo "solicita ao Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, informações acerca da candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e sobre a posição deste Ministério sobre as ditaduras no Brasil e no Chile".

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O documento questiona abertamente: "este Ministério reconhece que houve um golpe militar 1964 que deu início a uma ditadura no Brasil? Em caso negativo, favor explicitar as razões e fundamentos". Pelas regras, o governo terá de dar uma resposta aos deputados num prazo de 30 dias.

O pedido dos deputados ainda cita a reunião ocorrida na ONU, nesta semana. "Houve uma instrução deste Ministério para que a representação brasileira negasse o golpe de 1964 em evento da OAB e do Instituo Herzog na sede da ONU em Genebra em 10 de setembro deste ano? Qual foi o conteúdo desta instrução? Solicita-se cópia da instrução", aponta.

"No evento supramencionado o diplomata brasileiro afirmou que em abril deste ano o governo brasileiro enviou uma carta às Nações Unidas com a posição do Brasil sobre o que chamou de "eventos" de 1964. Solicita-se a cópia desta carta, assim como as notas, pareceres e despachos referentes a sua tramitação", completa o documento.

Os deputados ainda querem saber o motivo pelo qual o combate à tortura desapareceu dos documentos da candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos. "Este Ministério reconhece que houve tortura durante a ditadura militar no Brasil e que esta ainda é uma prática contemporânea? Em caso negativo, favor explicitar as razões e fundamentos", pedem os parlamentares.

Gênero

Os deputados do PSOL também optaram por ampliar o pedido e solicitar ainda informações sobre a posição do Brasil em relação a gênero, saúde sexual e reprodutiva, e direitos humanos, assim como em relação ao sigilo de instruções a delegações sobre esses temas.

O UOL revelou no início da semana que o Itamaraty havia aplicado um sigilo de cinco anos sobre os documentos relativos às orientações aos diplomatas brasileiros para rejeitar e tentar vetar os termos "gênero" nos textos internacionais.

Além das instruções, os deputados querem saber o motivo pelo qual houve "a omissão de pessoas LGBTI na candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos". "Este Ministério não avalia que garantir os direitos desta população é fundamental dado que o País é o que mais mata pessoas LGBTI no mundo? Em caso negativo, favor explicitar as razões e fundamentos", disseram.

Numa segunda petição, o mesmo grupo solicita ao governo que explique "as motivações para a mudança da atuação internacional do País em temas relativos a gênero e saúde sexual e reprodutiva em fóruns internacionais"

"Solicitam-se cópias de todas as instruções a delegações deste Ministério que envolvam gênero e saúde sexual e reprodutiva", apontam. O grupo também quer saber "quais instruções a delegações deste Ministério envolvendo gênero e saúde sexual e reprodutiva foram classificadas em algum grau de sigilo".

As perguntas insistem em forçar o Itamaraty a se explicar diante do sigilo. "Qual a base legal para as decisões sobre o sigilo de cada uma dessas instruções? O acesso público às instruções envolvendo gênero e saúde sexual e reprodutiva colocam em risco a defesa e a soberania nacionais? Se sim, de que modo? O acesso público às instruções envolvendo gênero e saúde sexual e reprodutiva prejudica ou coloca em risco a condução de negociações do País? Em caso afirmativo, solicita-se que sejam especificadas quais negociações e de que modo são afetadas pela publicidade das referidas instruções", completam.

 

Bachelet

O grupo ainda questiona o ministro sobre sua posição diante dos ataques feitos por Bolsonaro contra a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Ao responder à chilena, o presidente elogiou o ditador Augusto Pinochet e citou a execução do pai de Bachelet.

"Como este Ministério avalia as declarações do Presidente da República sobre a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos Michele Bachelet, celebrando o assassinato de seu pai pela ditadura de Augusto Pinochet e comemorando o golpe militar no Chile? Este Ministério reconhece que houve um golpe militar e uma ditadura sanguinária naquele país?", perguntou.

Por fim, os deputados querem uma resposta do governo sobre o motivo pelo qual o Brasil busca uma vaga no Conselho da ONU, se Bolsonaro sempre o criticou.

"Durante as eleições, Bolsonaro afirmou que se eleito deixaria o Conselho, e disse que a organização "não servia para nada" e que era "uma reunião de comunistas". Este Ministério concorda com estas afirmações? Quais as razões para o Presidente da República não só não abandonar o CDH, mas tentar a reeleição do Brasil no órgão?", completou.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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