OAB e Instituto Herzog vão denunciar Bolsonaro na ONU por apoiar ditadura
Jamil Chade
05/09/2019 04h00
Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, debateu em julho violações contra ambientalistas, líderes indígenas e ativistas. Divulgação
GENEBRA – Num ato inédito, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto Vladimir Herzog denunciarão o governo de Jair Bolsonaro na ONU por retrocessos à democracia e por fazer apologia à ditadura.
O UOL apurou que o ato ocorrerá na próxima terça-feira, numa intervenção diante do Conselho de Direitos Humanos.
Além disso, as entidades se unirão para realizar um evento paralelo na própria sede das Nações Unidas para apresentar detalhes do que chamam de "desmonte" das estruturas de Justiça, Memória e Verdade no país.
O gesto ocorre no momento em que Bolsonaro abre uma nova crise internacional ao elogiar o regime de Augusto Pinochet e criticar a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Ela, em resposta ao UOL, havia declarado que o "espaço democrático no Brasil estava encolhendo".
A iniciativa já estava sendo planejada antes mesmo dos ataques do presidente brasileiro à número 1 da ONU para Direitos Humanos. Mas, diante da polêmica, o ato ganhou força.
Ao UOL, o diretor-executivo do Instituto Herzog, Rogério Sottili, explicou que, entre as diferentes ações, o grupo levará a informação sobre os atos do governo brasileiro à Comissão de Desaparecidos da ONU. "O que temos é a desconstrução dos marcos legais e a desobediência do estado a tratados internacionais e leis internas", afirmou.
Sua avaliação é de que, ao fazer a apologia à ditadura, o governo brasileiro está consolidando a mensagem de que "tudo pode no Brasil" e que a "violência de estado impera".
O documento
"Após o término da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) e a promulgação da Constituição de 1988, o Estado vinha implementado – mesmo que com um atraso injustificável – políticas justransicionais de impacto para o aperfeiçoamento das instituições e o fortalecimento da democracia", aponta um documento que serve de base para o evento. "São exemplos disso a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), em 1995; da Comissão de Anistia (CA), em 2002; e da Comissão Nacional da Verdade (CNV) criada em 2011, saldando dívidas históricas", disse.
A denúncia diante do Conselho será apresentada por Hélio Leitão, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB. Seu discurso apontará para atos do presidente brasileiro na comemoração da ditadura, em elogios a torturadores e, principalmente, para o esvaziamento de comissões nacionais destinadas a examinar os casos da Ditadura e monitorar a tortura hoje.
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No mesmo dia, as organizações ainda promoverão um debate na ONU sobre a situação no Brasil, com a presença de Glenda Mezarobba, do Conselho Deliberativo do Instituto Vladimir Herzog, e José Carlos Dias, ex-membro da Comissão Nacional da Verdade, além de Sottili e do próprio Leitão.
Outro participante será Fabián Salvioli, relator das Nações Unidas para a Promoção de Verdade, Justiça, Reparações e Garantias de Não Repetição. Em abril, diante das comemorações sugeridas por Bolsonaro sobre o Golpe de 1964, o relator enviou uma carta para protestar. A resposta do Itamaraty deixou os funcionários da ONU perplexos. No texto, o governo insistia que o golpe tinha sido "legítimo".
O evento será moderado por Paulo Lugon Arantes e conta com o apoio do Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), do Centro de Estudos sobre Justiça de Transição (UFMG) e outras instituições.
"Retrocesso alarmante"
As instituições passaram à reportagem do UOL mais detalhes do documento que pretendem entregar à ONU. "Contudo, nos últimos anos temos visto um desmonte visível das instituições de reparações históricas, chegando ao limite do retrocesso, como exemplificam a demissão de todos os peritos do Mecanismo de Prevenção e Combate à tortura e a ingerência no funcionamento da CEMDP e da Comissão da Anistia", destacam.
"O enaltecimento de torturadores, a comemoração do golpe militar, a incitação à violência policial e à prática da tortura e os ataques à imprensa são alguns dos sintomas graves de que há um retrocesso alarmante nas políticas de memória, verdade e justiça e nos processos justransicionais no país", disseram.
Segundo os organizadores, o evento "tem o objetivo de fornecer informações sobre a situação alarmante em que o Brasil se encontra no que tange aos retrocessos acima mencionados e também no que diz respeito aos bloqueios que o país tem enfrentado na efetivação e cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade e das convenções internacionais das quais o Brasil é signatário".
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)