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“A democracia não é perfeita”, rebate Bachelet

Jamil Chade

04/09/2019 17h43

Bachelet conversa com estudantes em universidade em Genebra. Foto: Jamil Chade

"Sem mencionar ninguém, as vezes em alguns países, por vias democráticas, as pessoas elegem pessoas que não são democratas", disse chilena, alvo de ataque de Bolsonaro.

 

GENEBRA – "A democracia não é perfeita". Foi assim que a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, reagiu quando foi interpelada em um evento público sobre como lidar com líderes de democracias que defendem ditaduras e medidas autoritárias. Para exemplificar a pergunta, o participante do seminário citou o fato de que um presidente a atacou nas redes sociais, numa referência à atitude de Jair Bolsonaro. O brasileiro mencionou o pai da chilena, morto pelo regime de Augusto Pinochet, e fez apologia ao Golpe de 1973.

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AFP

"A democracia não é perfeita", disse a comissária da ONU. "Mas é o melhor que temos". "Sem mencionar ninguém, as vezes em alguns países, por vias democráticas, as pessoas elegem pessoas que não são democratas, que não acreditam em direitos humanos, que são racistas. O fato é que isso não estava escondido. Durante a campanha (eleitoral), eles disseram tudo aquilo e as pessoas o elegeram. Portanto, a democracia não é perfeita", insistiu.

No início da manhã de quarta-feira, respondendo a uma pergunta do UOL numa coletiva de imprensa em Genebra, a chilena alertou para a violência policial no Brasil e indicou que o espaço democrático está sendo reduzido no País.

Em resposta, o presidente brasileiro, seu filho Eduardo e assessores foram às redes sociais para atacar Bachelet. A apologia que foi feita ao regime de Augusto Pinochet e a referência ao assassinato do pai da alta comissária pela ditadura criaram um sentimento de inconformidade nos corredores da da ONU.

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Horas depois, num seminário num centro universitário na noite desta quarta-feira, em Genebra, ela foi questionada por um dos participantes do evento, um brasileiro. Sorrindo ao ouvir a pergunta, ela tomou nota. E, quando pegou o microfone, explicou que não iria responder diretamente ao tweet de Bolsonaro. Mas foi contundente em uma longa resposta.

Bachelet relembrou seu passado no Chile, quando a democracia foi reinstalada e como, ainda assim, pessoas envolvidas com a ditadura de Pinochet foram eleitos como senadores e deputados. "Eu fui colocada na prisão, meu pai foi morto por tortura na prisão. E eu estava bem melhor que outros. Muitos desapareceram", disse.

"Essas pessoas foram então eleitas para o Congresso e se sentaram ao lado de pessoas que lutaram contra a ditadura. Eu, como trabalhava no Ministério da Saúde, tinha de ir até la e tinha de lidar com aquilo", apontou.

Ela contou que voltou a ter de confrontar sua história quando, anos depois, foi trabalhar no Ministério da Defesa. Mas defendeu que havia tomado a decisão para "trabalhar para que a democracia funcionasse". "Precisávamos que as Forças Armadas entendessem os valores", disse. "Cada vez que ia la, e via os uniformes, era difícil", admitiu .

Amigos

Bachelet, ainda em sua resposta, destacou que aprendeu que teria de trabalhar "não apenas com as pessoas que você gosta e com as quais você concorda". "Não é uma questão de fazer amigos. Mas fazer a coisa certa e fazer o que tem de ser feito", defendeu.

A chilena, que foi duas vezes presidente de seu país, contou ainda que, ao longo dos anos, teve de lidar com outros líderes que tinham "visões diferentes"."Se você não consegue lidar com isso, então há de renunciar e fazer algo diferente. E apenas trabalhar com amigos", afirmou.

Para ela, não se pode trabalhar "apenas com os convertidos, aqueles que acreditam em direitos humanos". "Não, precisamos falar com os outros. Caso contrário, não estamos avançando nem um centímetro", disse.

Fazendo questão de não citar uma só vez o nome do presidente brasileiro, ela fez diversas insinuações. "Existem lideres que não acreditam em direitos humanos. Eles podem até vir aqui (na ONU) e fazer um discurso maravilhoso. Existem pessoas que dizem que não houve ditadura, que não houve tortura, quando é claro que houve ditadura e tortura. Alguns países querem comemorar o golpe de estado. Agora. 30, 40 anos depois", destacou.

Bolsonaro, em abril, enviou uma carta à ONU para rebater uma crítica por conta da comemoração do Golpe de 64 alertando que aquele fato histórico não teria ocorrido.

Bachelet insiste que, se tiver de dizer a esses líderes que seus países enfrentam problemas de direitos humanos, ela não hesitará. "Quando formos perguntados sobre o que fazer com os altos números de defensores de direitos humanos mortos no País, teremos de falar", alertou, também numa referência indireta ao Brasil.

"Claro que eles não vão gostar de mim. E você pode ter visto pelo tweet que ele claramente não gosta de mim. Mas eu preciso fazer meu trabalho", disse, em mais uma referência indireta ao presidente brasileiro e sem citar seu nome.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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