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Em carta à ONU, governo ataca "proliferação excessiva" de conselhos sociais

Jamil Chade

21/08/2019 04h00

A ministra Damares Alves durante fala em comissão no Senado (GERALDO MAGELA/Agência Senado)

 

Relatores da ONU pediam que Bolsonaro abandonasse a ideia de extinguir órgãos colegiadas.  Mas Itamaraty justificou que ação tinha motivos financeiros e garantiu que participação social será mantida. 
GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro criticou a proliferação excessiva de conselhos e órgãos colegiadas da administração pública e que permitia a participação da sociedade civil em decisões e formulação de políticas. Numa carta enviada no último dia 14 de agosto às Nações Unidas, o Itamaraty alegou que os órgãos representavam um custo elevado ao estado brasileiro. Mas admitiu que alguns deles seriam preservados.

No dia 11 de abril, o governo Bolsonaro publicou um decreto que extinguia dezenas de conselhos. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram a votar contra o decreto que desmonta as estruturas, o que acabou sendo a primeira medida do governo a enfrentar uma derrota no plenário do Supremo.

O assunto também ganhou relevância internacional. Em junho, relatores, comitês e peritos da ONU atacaram a decisão do governo e pediram que o Palácio do Planalto abandonasse a ideia. Naquele momento, os representantes das Nações Unidas alertaram que o decreto de 11 de abril minaria a participação da sociedade civil em assuntos sociais, além de ser negativa para a "democracia brasileira, estado de direito, a inclusão social e o desenvolvimento econômico".

Os especialistas ainda estimavam que o decreto afetaria a transparência, reduziria a independência e autonomia da sociedade civil e "ameaçaria a promoção e proteção dos direitos humanos".

Para os relatores da ONU, os órgãos que lidam com idosos, grupos LGBT, combate à discriminação, erradicação de trabalho infantil e vários outros seriam duramente afetados. Numa primeira avaliação, 55 órgãos colegiadas seriam extintos. "Estamos seriamente preocupados", disseram os relatores, apontando que o decreto "mina o espaço cívico" e a "participação da sociedade civil dentro do governo federal".

Resposta

Em sua resposta, porém, o governo insistiu sobre a necessidade de fazer a reforma. "A proliferação excessiva de órgãos, com mandatos muitas vezes sobrepostos, tem dificultado a gestão de questões públicas e tem sido onerosa para o Estado brasileiro", argumentou.

"Dada a necessidade de promover a economia orçamentária e a eficiência administrativa, o Governo decidiu promulgar o Decreto presidencial 9.759/19, de 11 de abril de 2019. A iniciativa pretende racionalizar e regular os órgãos colegiados no âmbito federal e estabelecer uma estrutura racional e eficaz, sem prejuízo dos direitos dos cidadãos de participar da elaboração, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas", disse a carta.

Segundo o governo, o decreto visa "valorizar órgãos com funções verdadeiramente participativas e que abordem temas que se relacionem claramente com a organização de órgãos e instituições públicas para a proteção dos direitos fundamentais, bem como com os temas que estabeleçam objetivos públicos relevantes".

O problema, segundo o governo, é de dinheiro e eficiência. "Em 2019, o Ministério da Fazenda identificou 2.593 órgãos colegiados registrados no Sistema de Informação Organizacional (SIORG), muitos dos quais estavam inativos há anos, coexistindo com órgãos internos não registrados", justificou.

Mas a carta garante que as medidas não vão afetar a participação social. "A Constituição Federal garante o pleno gozo do devido processo e do Estado Democrático de Direito. Seus princípios fundamentais são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e o pluralismo político", disse. "Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes e harmoniosos e constituem um mecanismo de controle e equilíbrio jurídico para a defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais", argumentou.

"Dentro desse marco institucional, o sistema político brasileiro oferece ao povo uma ampla gama de oportunidades de consulta, monitoramento e acompanhamento das decisões e políticas públicas", garantiu.

"Mais de 30 anos após a promulgação da Constituição Federal, a inegável abertura do poder público às demandas populares e sociais resultou na criação de um conjunto heterogêneo de órgãos colegiados de diversas formas e de qualidade técnica diversa", disse.

 

Conselhos Preservados

Na carta, o governo ainda aponta que quase 20 conselhos seriam preservados. "A Secretaria-Geral da Presidência da República está examinando os pedidos de manutenção dos órgãos colegiados, em coordenação com os Ministérios competentes. Até o momento, todos os conselhos que integram a estrutura da administração federal foram essencialmente preservados, por exemplo. O governo brasileiro também considera a conveniência de restabelecer outros direitos humanos a fim de manter todos os órgãos colegiados sob a tutela do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos", disse.

Entre os órgãos que serão mantidos estão o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH); o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda); Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Conade); Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI); Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT); Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT); Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT); Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD); Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM); Conselho Nacional da Juventude (Conjuve); e Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR).

O que o governo não disse para a ONU é que, apenas no Diário Oficial do dia 19 de agosto, seis conselhos foram extintos da pasta de Direitos Humanos. Entre eles o que tratava de Gênero e o da Diversidade e Inclusão.

Mas o governo indica que também será assegurado o funcionamento de órgãos como o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CNPC); o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC); a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae); Conselho Executivo do Sistema Nacional de Segurança Pública e Informação Prisional e Informação sobre Armas e Munições, Material Genético, Digitais e Rastreabilidade de Drogas; Conselho Nacional de Imigração (CNIg); e Comissão Executiva da Política Nacional para as Mulheres em Privação de Liberdade e Ex-Detentos.

"Em menor grau, os conselhos oriundos da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) também foram preservados", disse.

Mas o governo ainda manda uma mensagem aos relatores. "A democracia brasileira se fundamenta no princípio constitucional da soberania popular, que não se limita à formação de órgãos colegiados, mas sim no debate público altamente qualificado e informado e no pleno gozo do direito ao contraditório", garantiu.

"Note-se que os órgãos colegiados não são, nem poderiam ser, por sua própria natureza, instrumentos suficientes para o efetivo gozo dos direitos humanos no país. O sistema político e social brasileiro possui diversas esferas formais, procedimentos legais e práticas consolidadas que permitem aos cidadãos participar ativamente das decisões tomadas pelos poderes públicos, bem como atuar nas cinco dimensões de controle social estabelecidas pela Constituição: formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e financiamento", completou.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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