Temendo novas mortes, ONU denuncia plano de Bolsonaro de explorar reservas
Jamil Chade
29/07/2019 13h30
Sede da ONU, em Genebra. Foto: Jamil Chade
Michelle Bachelet fez um apelo para que governo abandone seu projeto de liberar reservas indígenas para garimpo e exploração, alertando para o risco de aumento da violência e mortes, além de deslocamento de populações tradicionais.
GENEBRA – A Alta Comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, cobra o governo brasileiro diante da morte de um líder indígena no Amapá e pressiona para que as políticas adotadas pela gestão de Jair Bolsonaro e seus projetos de aberturas de reservas para exploração sejam reconsiderados. Segundo ela, os incidentes no Amapá no fim de semana podem ser apenas um sinal da onda de violência que pode emergir diante das propostas do governo.
Essa foi a primeira declaração contundente da ex-presidente do Chile e número 1 de Direitos Humanos da ONU contra o governo brasileiro, desde o início do ano.
No fim de semana, a Funai confirmou que invasores tomaram a terra indígena Waiãpi, no Amapá. Ao chegar ao local, os invasores teriam executado o líder Emyra Waiãpi. Os relatos da violência ganharam alguns dos principais jornais do mundo, mas foram alvo de questionamentos por parte do presidente Jair Bolsonaro. Para ele, não existe "nenhum indício forte" que o líder indígena foi executado.
As invasões, porém, ocorrem depois que o presidente afirmou que espera legalizar a mineração e garimpo em terras indígenas.
Bachelet deixou claro que é contra essa legalização. "A política proposta pelo governo brasileiro de abrir mais áreas da Amazônia para a mineração pode levar a incidentes de violência, intimidação e assassinatos do tipo infligido ao povo Waiãpi na semana passada", disse.
"Exorto o governo do Brasil a reconsiderar suas políticas em relação aos povos indígenas e suas terras, para que o assassinato de Emrya Wajãpi não anuncie uma nova onda de violência destinada a afugentar as pessoas de suas terras ancestrais e permitir uma maior destruição da floresta tropical, com todas as ramificações cientificamente estabelecidas que tem para a exacerbação da mudança climática", afirmou Bachelet.
"O assassinato de Emrya Wajãpi, líder do povo indígena Wajãpi, é trágico e condenável por si só", disse a ex-presidente do Chile. "É também um sintoma preocupante do crescente problema da invasão de terras indígenas – especialmente florestas – por garimpeiros, madeireiros e agricultores no Brasil", disse.
"É essencial que as autoridades reajam rápida e eficazmente para investigar este incidente e levar à Justiça todos os responsáveis em plena conformidade com a lei", pediu a chilena. "Além disso, devem ser tomadas medidas eficazes para salvar as vidas e a integridade física do povo Waiãpi, nomeadamente através da proteção do seu território pelas autoridades", defendeu.
A representante da ONU ainda mandou uma mensagem, dias depois de Bolsonaro dizer que a "Amazônia é nossa".
"A proteção dos povos indígenas, e da terra em que vivem, tem sido uma questão importante em todo o mundo, não apenas no Brasil", disse. "Embora algum progresso tenha sido feito nos últimos anos, vimos também a fraca aplicação das leis e políticas existentes e, em alguns casos, o desmantelamento das estruturas institucionais ambientais e indígenas existentes, como parece ser o caso agora no Brasil", alertou.
"Exorto o governo do Brasil a agir decisivamente para deter a invasão de territórios indígenas e garantir o exercício pacífico de seus direitos coletivos sobre suas terras", disse.
"Quando os povos indígenas são expulsos de suas terras, não se trata apenas de uma questão econômica. Como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas deixa claro, ela afeta todo o seu modo de vida", afirmou.
Nesta segunda-feira (29) o senador Randolfe Rodrigues (REDE -AP) ainda foi informado que a ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA) iriam notificar o governo Bolsonaro a respeito da invasão nas terras indígenas no Amapá.
As notas oficiais foram direcionadas ao Ministério da Justiça e o Ministério do Meio Ambiente, cobrando esclarecimentos do que está acontecendo na região.
Responsabilidade
Em entrevista ao UOL nesta segunda-feira, a relatora da ONU para os Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, a tensão no Amapá é de responsabilidade de Bolsonaro. "Um dos elementos é o fato de que o presidente tem feito anúncios de que terras indígenas podem ser usadas para atividades produtivas. Essa é uma das razões que explica a situação, além dos interesses econômicos sobre essas terras", disse.
Para ela, Bolsonaro tem responsabilidade na crise. "Ele é o chefe-de-estado e, ao fazer tais pronunciamentos nessa linha, então claro que esses grupos vão tentar controlar essas terras, invadir esses territórios", apontou.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)