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Impasse burocrático adia recuperação de bilhões de reais ao Brasil

Jamil Chade

25/07/2019 11h43

 

 

Processo de contratação de escritório na Suíça para ajudar no rastreamento e recuperação de fortunas desviadas completa dois anos, sem que trabalhos tenham sido iniciados no país europeu

 

Jamil Chade e Constança Rezende

 

GENEBRA E BRASÍLIA – Em agosto de 2017, o governo brasileiro lançou um processo de contratação de um escritório na Suíça que ajudasse o estado a recuperar bilhões de dólares, congelados nos bancos do país europeu e fruto da corrupção no Brasil. Dois anos depois, porém, os trabalhos para repatriar o dinheiro sequer começaram.

Sob o governo de Jair Bolsonaro, a Advocacia-Geral da União (AGU) indicou que havia retomado o caso e que chegou a selecionar um escritório na Suíça para levar adiante o ambicioso projeto. Mas o UOL apurou em Brasília que, até agora, não existe um contrato assinado.

A ajuda de um escritório local é considerada como fundamental e o instrumento também é usado por outros governos estrangeiros. Com um investimento de alguns poucos milhões, o estado consegue recuperar bilhões.

No total, os suíços congelaram cerca de US$ 1,1 bilhão em recursos relacionados com suspeitos da Lava Jato. Mas apenas US$ 300 milhões foram repatriados, em casos em que o próprio réu fechou um acordo de delação premiada e aceitou entregar sua fortuna.

O restante, porém, aguarda definições judiciais, o que poderia levar anos. No caso do ex-prefeito Paulo Maluf, os recursos desviados para a Suíça e depois para Jersey apenas voltaram aos cofres públicos uma década depois.

Mas um escritório no exterior ainda teria como vasculhar contas e ainda abrir processos contra os bancos, por sua responsabilidade na lavagem de dinheiro e ao acobertar crimes. Esses recursos obtidos em casos civis ou em negociações também voltariam aos cofres do estado e poderiam somar outros milhões de reais.

Na prática, o Brasil poderia recuperar o dinheiro desviado e ainda mais milhões da parte dos bancos.

Assim, um processo de seleção foi iniciado em agosto de 2017. A Procuradoria Geral da República e mesmo a Petrobras tinham sondado um dos principais procuradores suíços, Stefan Lenz, para assumir essa função. Ele havia sido o cérebro das investigações contra a Odebrecht e, em 2016, deixou o MP suíço depois de um desentendimento com a chefia.

Na visão de muitos em Brasilia, ele teria sido o nome "perfeito" para o trabalho. Mas a negociação não prosperou.

Em 2018, um dos escritórios que se apresentou foi selecionado. Mas, uma vez mais, nada caminhou. Em 2019, já sob o novo governo brasileiro, também foi anunciado em maio que o escritório havia sido selecionado e que havia um compromisso em acelerar o processo.

Em nota, o Itamaraty confirmou que, à pedido da AGU, "o Ministério das Relações Exteriores preparou lista de escritórios" e que tal lista havia sido encaminhada ao órgão do estado.

Procurada, a AGU confirmou que "o processo de seleção de escritório para atuação na Suíça foi realizado e finalizado". "A Advocacia-Geral da União está em fase de tratativas para formalização do contrato, o que impossibilita a instituição de prestar mais informações até que o processo esteja totalmente concluído", escreveu.

Mas, em Brasilia, fontes confirmaram à reportagem que existe um impasse técnico que terá de ser resolvido para que os bilhões possam começar a ser rastreados e eventualmente devolvidos.

Um dos problemas se refere ao dinheiro pago pelo serviço. Para remunerar os suíços, as autoridades precisam que os valores estejam previstos no orçamento. Mas não há como saber, no início do processo, nem quanto tempo vai levar e nem o período que os casos exigirão nos tribunais.

Outras dificuldades jurídicas também estariam criando obstáculos para que o contrato seja assinado, como o fato de pagar por um serviço no exterior.

Enquanto isso, completando dois anos, os trabalhos ainda não começaram e nenhum contrato foi assinado.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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