Por Copa de 2022, Platini é detido em Paris
Jamil Chade
18/06/2019 05h49
GENEBRA – Suspeito de corrupção, o ex-presidente da Uefa e um dos principais jogadores da história da França, Michel Platini, foi detido nesta terça-feira. As informações foram reveladas pelo site, Mediapart, e confirmadas pelo blog. O ato estaria relacionado com uma investigação sobre corrupção envolvendo a escolha da sede da Copa do Mundo, em 2022 no Qatar.
A escolha, realizada em 2010, também levantou suspeitas sobre cartolas sul-americanos, principalmente sobre o papel de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. Na Suíça, o brasileiro é alvo de investigações relacionadas com seu apoio ao Qatar.
De acordo com os franceses, o ex-secretário-geral do presidente Nicolas Sarkozy, Claude Guéant, também foi levado a prestar depoimento. Mas não foi detido.
Outro alvo é Sophie Dion, uma ex-conselheira do governo e ex-deputada. Ela teria ligações próximas com o país sede da Copa e foi a presidente do grupo parlamentar França-Qatar. Uma cátedra que ela lidera numa das universidades francesas também seria financiada pelo Qatar.
O Ministério Público da França investiga eventuais pagamentos aos cartolas e mesmo políticos por parte do Qatar para garantir que o país fosse escolhido como sede da Copa.
Ao blog, o ex-presidente da Fifa, Joseph Blatter, voltou a afirmar há dois meses que a escolha havia sido uma decisão tomada em Paris, justamente num jantar entre o emir do país do Golfo, Tamim Ben Hamad Al Thani, Sarkozy e o próprio Platini.
O encontro ocorreu no dia 23 de novembro, no Palácio do Eliseu. Ali, Sarkozy teria instruído Platini a votar pelo Qatar, alertando sobre as implicações econômicas positivas que o gesto teria.
O encontro ainda contava com o então primeiro-ministro e chanceler Hamad Ben Jassem.
Negócios
Pouco depois da vitória do pequeno país na Fifa, emissoras da Qatar comprariam os direitos do campeonato francês e não demoraria mais que oito meses para que o PSG passasse para as mãos do emir, por menos de US$ 100 milhões.
A compra do time de Paris envolveu ainda pagamentos a um aliado de Sarkozy, Sebastian Bazin, que controlava o clube.
Outro foco dos investigadores é o pagamento da emissora Al-Jazeera à Federação Francesa de Futebol.
Mesmo contratos de defesa estariam no pacote, assim como a garantia de que serão empresas francesas que farão a segurança da Copa, em 2022. Depois do voto, outros acordos ainda foram anunciados: a Qatar Airways escolheu a Airbus para fornecer 50 novos aviões, fabricados na França, e o filho de Platini ganhou um cargo numa empresa do país.
Em 2016, as autoridades francesas já tinham aberto uma investigação sobre corrupção e tráfico de influência, colaborando com a Justiça dos EUA e da Suíça.
Em 2017, Blatter foi alvo de um questionamento e, agora, a Justiça francesa quer voltar a interroga-lo.
Platini, que por anos havia sido contra o Qatar e defendido a candidatura dos EUA, surpreendeu a todos quando mudou de posição e levou consigo os votos da Uefa ao país do golfo. Em 2010, seria essa mudança que teria garantido a vitória do Qatar sobre a candidatura favorita dos EUA.
O ex-jogador, porém, sempre disse que mudou de opinião antes do jantar e que iria usar aquela ocasião para avisar ao presidente francês. Ele também garante que não sabia que o emir estaria presente.
Platini garante que, durante o encontro, nenhuma mudança de voto foi solicitada e que, ao terminar, telefonou para Blatter para relatar o que havia ocorrido.
O encontro, porém, ocorreu poucas semanas antes da votação da Fifa, em dezembro de 2010 e que abriu uma crise sem precedentes na entidade. Ao blog, Blatter culpou justamente essa votação por todo escândalo de corrupção que afetou o futebol nos anos seguintes.
Em 2017, o ex-jogador havia sido ouvido pela Justiça na condição de testemunha. Platini, há duas semanas, proliferou declarações à imprensa, apontando que ele estaria construindo seu retorno ao futebol, depois de ter sido alvo de uma suspensão por irregularidades em pagamentos recebidos da Fifa. Ele insistia que aquilo era um golpe para que ele não fosse eleito presidente da entidade máxima do futebol, em 2016. Sua suspensão termina em outubro e ele já planejava um retorno.
Mas, ironicamente, alertava que nunca saberia se alguma "manobra" seria feita por seus opositores para impedir que ele retornasse à gestão do futebol.
Platini nunca escondeu que queria ser o presidente da Fifa, uma promessa inclusive que lhe havia sido feita por Blatter no período em que eram aliados.
Se por quase uma década esse famoso encontro vem gerando polêmica no mundo do futebol e da política, agora, a Justiça quer saber exatamente o que ocorreu e se houve alguma troca de favores relacionados ao torneio de 2022.
RESPOSTA
Num comunicado emitido na tarde desta terça-feira, horário europeu, os advogados do ex-jogador apontaram que não há "nada contra" Platini e que ele teria sido levado apenas como "testemunha".
A ação dos procuradores foi realizada, ainda segundo a defesa, apenas para evitar que as diferentes pessoas ouvidas no inquérito pudessem combinar algum tipo de narrativa comum, o que prejudicaria a investigação.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)