Grampo em telefones de advogados de Lula "não foi abusivo", diz governo
Jamil Chade
15/06/2019 04h00
Em documento confidencial enviado às Nações Unidas, o estado brasileiro se defende de acusações dos advogados do ex-presidente Lula
GENEBRA – O governo brasileiro justificou o grampo realizado nas linhas dos telefones de advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, argumentando em um documento confidencial para a ONU que as medidas "não foram abusivas".
Em 2016, os advogados do ex-presidente apresentaram uma queixa ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, alegando que o então juiz Sérgio Moro não havia sido imparcial e que havia atuado em conluio para condenar Lula. O caso continua em exame e apenas deve ser tratado de forma definitiva em 2020.
Uma das queixas apresentadas pelos advogados se referia ao fato de que tiveram seus celulares grampeados, além do próprio telefone do escritório. Em fevereiro de 2019, a defesa do ex-presidente voltou a lançar a queixa.
No Brasil, os advogados de Lula tentarão a anulação da condenação no Supremo Tribunal Federal (STF), com base na suposta informação de que relatórios foram preparados pelos procuradores contra o ex-presidente, usando as gravações das conversas desses telefones.
Num relato do advogado Pedro Henrique Viana Martinez, que chegou a fazer parte da equipe de defesa de Lula, 14 horas de conversas captadas diretamente da linha do escritório Teixeira Martins & Advogados fariam parte de relatórios do caso do petista.
Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criticou o grampo. "O sigilo das conversas entre defensor e seu cliente é protegido por lei e sua violação por qualquer meio é ilegal, além de significar um ataque ao direito de defesa e às prerrogativas dos advogados", disse a entidade, em nota.
Em março, as autoridades brasileiras fizeram questão de responder de forma dura ao Comitê da ONU. "Medidas investigavas não foram motivadas por intenções ilegítimas ou políticas, mas foram indispensáveis para elucidar sérios crimes que emergiram de evidências e foram determinadas por decisões racionais, depois de considerar pedidos motivados por parte do Ministério Público Federal", disse o governo, no documento.
Nele, as autoridades insistem que já demonstraram a existência de uma "proteção constitucional robusta e legal do direito à privacidade" e que o estado tem formas de repudiar eventuais abusos por parte de seus funcionários. O Brasil, assim, justifica que não hoje uma violação perpetrada pelo estado.
Num outro trecho da defesa, o Brasil insiste que o grampo no escritório dos advogados "não foi abusivo, mas substanciado". De acordo com o argumento, o objetivo legítimo de investigar a linha telefônica se dava por conta de ela pertencer a um dos investigados.
Quanto ao telefone pessoal do advogado, o estado "esclarece que a dita interceptação visava investigar condutas criminais que, como as evidências legalmente produzidas apontavam, (o advogado) Roberto Teixeira teria possivelmente cometido".
O governo garantiu ao Comitê que não houve a "intenção ilegítima de ter acesso às conversas confidenciais entre advogado e cliente".
A carta insiste que essa é uma garantia constitucional no Brasil. Mas ressalta que a proteção desse privilégio e a inviolabilidade das comunicações ocorrem "se relacionadas com a prática do direito". O governo ainda pede ao Comitê da ONU a concluir que "nenhuma violação" foi perpetuada pelo estado.
Lava Jato
Moro, ainda em 2016, prestou informações ao ministro do STF, Teori Zavascki, então relator da Lava Jato, sobre as escutas. "Faço esses esclarecimentos adicionais diante da informação superveniente do MPF e considerando extravagantes alegações fora dos autos de que teria havido autorização da parte deste Juízo para interceptação de dezenas de advogados através do referido terminal, o que não corresponde ao efetivamente ocorrido, sequer havendo notícia de qualquer diálogo interceptado de fato no referido terminal", justificou Moro.
Já a força-tarefa da Operação Lava Jato explicou o grampo ao STF. "Encontra-se plenamente justificada a inclusão do referido terminal como vinculado à empresa LILS Palestras, eis que se tratava do telefone declarado pela própria empresa de forma oficial à Receita Federal", disseram.
"Assim são infundadas e maliciosas as alegações inicialmente veiculadas pela imprensa de que o MPF e a Polícia Federal monitoraram, de forma dissimulada, o telefone do escritório de advocacia de Roberto Teixeira, pessoa esta, diga-se de passagem, que é objeto de investigação avocada pelo STF", disse a força-tarefa.
Naquele momento, a Lava Jato garantiu que gravações do número grampeado não foram incluídas nas investigações sobre Lula.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)