Em carta sigilosa, relatores da ONU cobram de Bolsonaro proteção a cacique
Jamil Chade
08/06/2019 04h00
Cacique Babau denunciou plano para assassiná-lo
GENEBRA – Relatores da ONU (Organização das Nações Unidas) cobraram uma proteção do governo de Jair Bolsonaro a um dos principais líderes indígenas do país, Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau.
Numa carta confidencial ao governo, os relatores Michel Forst e Victoria Lucia Tauli-Corpuz afirmam que estão preocupados diante das informações recebidas sobre um suposto plano de assassinatos no sul da Bahia contra o líder indígena e mais quatro de seus parentes.
Babau é o líder na Terra Indígena Tupinambá, situada entre Ilhéus, Una e Buerarema. Na região, mais de 4.600 indígenas estariam vivendo.
Na carta enviada no dia 4 de abril, os relatores da ONU alertam que essa não é a primeira vez que fazem um apelo para que o Estado garanta a proteção da liderança indígena. Em 2016, um outro apelo foi emitido. Três anos depois, os relatores "lamentam que nenhuma resposta substantiva" até hoje tenha sido enviada pelo Brasil.
Agora, os especialistas da ONU apontam que, no dia 29 de janeiro de 2019, o cacique foi informado sobre um suposto plano para matá-lo, com a participação de fazendeiros locais e representantes da Polícia Militar e Civil.
Em fevereiro, o Ministério Público Federal escreveu para a ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, alertando que medidas de proteção eram necessárias.
De acordo com a carta, porém, apesar do cacique ter sido aceito no programa de testemunhas do governo federal, continua recebendo "ameaças severas em sua comunidade".
A comunicação sigilosa alerta que o programa de proteção do governo não tem sido suficiente. "De acordo com informações recebidas, não existem forças de segurança protegendo-o e nenhuma outra medida de proteção foi iniciada", escreveram os relatores. "Além disso, não houve qualquer investigação sobre as ameaças de assassinato", disseram.
Os relatores afirmam que o plano de execução está ligado com o papel de Babau como defensor de direitos humanos e ativista pelo direito às terras.
Demarcação parada
Na carta, os relatores também apontam para os problemas relacionados com a falta de demarcação das terras indígenas. "O processo de demarcação da terra tupinambá tem ocorrido por 15 anos, mas ainda não foi finalizado", disseram. "Desde 2016, a demarcação parou no Ministério da Justiça, esperando por um decreto final", explicaram.
"Nos últimos anos, dada à falta de progresso na demarcação, o conflito escalou, e várias mortes, assédios, intimidações e ameaças ocorreram contra os povos indígenas", disseram.
Os relatores acusam autoridades locais e fazendeiros de perpetuar um processo de criminalização do povo tupinambá. O próprio cacique foi preso em 2016 e 2017 e torturado.
Na carta, os relatores deixam claro ao governo brasileiro que a proteção é uma obrigação do Estado, por conta dos tratados internacionais soberanamente assinados pelo Brasil. "Expressamos nossa séria preocupação relacionada com as supostas ameaças de morte contra Babau, assim como o ataque contra defensores de direitos humanos por suas atividades pacíficas de direitos humanos."
Medidas para frear ameaças
Numa lista de cobranças apresentadas ao governo, os relatores da ONU solicitam que Bolsonaro preste informações sobre as medidas que estão sendo tomadas para garantir uma "investigação imediata, imparcial e transparente sobre os planos de assassinato" contra o cacique. A carta ainda pede que os autores das ameaças sejam identificados.
"Se nenhuma investigação tiver sido conduzida, por favor explique o motivo", pedem.
No que se refere à proteção do cacique, a ONU quer saber quais medidas foram tomadas para garantir sua segurança. De uma forma mais ampla, os relatores também solicitam informações sobre o que está sendo feito pelo governo para garantir que líderes indígenas possam defender suas terras e seu trabalho legítimo "sem medo por sua segurança".
A carta também solicita informações sobre o andamento das demarcações e, enquanto uma resposta não é apresentada, os relatores solicitam ao Estado brasileiro para que tome "todas as medidas necessárias para frear as supostas violações" e para levar os responsáveis à Justiça.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)