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Brasil e EUA boicotam reunião presidida pela Venezuela na ONU

Jamil Chade

28/05/2019 05h42

 

Na ONU, cadeira do Brasil ficou vazia nos debates sobre desarmamento. Maio de 2019. Foto: Jamil Chade

 

GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro boicotou a reunião da Conferência de Desarmamento da ONU, presidida a partir desta terça-feira pelo governo da Venezuela. Os diplomatas brasileiros sequer foram ao encontro em Genebra, enquanto os representantes americanos optaram por estar presente no início da conferência e, em protesto, abandonar o local quando Jorge Varelo, embaixador da Venezuela, tomou a palavra.

O diplomata de Caracas qualificou o Brasil e os demais latino-americanos de "dóceis aliados" de Donald Trump. A decisão do Itamaraty, um tradicional membro da Conferência de Desarmamento, foi tomada em conjunto com os demais países do Grupo de Lima. O boicote, um ato diplomático significativo, não foi seguido por muitos países europeus.

A partir de hoje, o cargo da presidência do órgão será ocupado pelos representantes de Caracas, que terão a coordenação dos trabalhos internacionais por um mês sobre todos os aspectos relacionados com o desarmamento.

A decisão ocorre por conta de uma rotação obrigatória entre os países que fazem parte da Conferência. Até o mês passada, a presidência é dos EUA, país com o maior número de ogivas nucleares do mundo.

No início do ano, o governo americano já havia se recusado a permanecer na sala da ONU, em protesto contra a presença do embaixador de Maduro. Num ato simbólico, os governos dos EUA e do Grupo de Lima deixaram a sala enquanto o diplomata de Caracas tomava a palavra para fazer seu discurso.

Agora, a chefia dos trabalhos em mãos dos venezuelanos gera protestos entre os demais países que reconhecem Juan Guaidó, o auto-proclamado presidente interino.

"Não podemos deixar um estado pária liderar esse organismo", declarou o embaixador dos EUA, Robert Wood, ao deixar a sala. "O que estamos vendo ali são propagandas", insistiu. "Trata-se de um dia triste e não vamos aceitar que um governo ilegítimo presida sobre um assunto tão importante", disse.

"O regime Maduro está morto e precisa apenas deitar. 54 países não o reconhecem e quem deveria estar ali seria uma representante de Juan Guaidó", declarou o americano.

Na ONU, embaixador dos EUA, Robert Wood, deixou a sala de reuniões diante da presidência da Venezuela. Foto: Jamil Chade

 

A ONU, porém, não tem como modificar a forma de reconhecimento de governos, principalmente diante do fato de Maduro ainda ser plenamente reconhecido por Rússia, China e dezenas de outros países.

"A ONU pode fazer o que ela quiser", disse Wood. "Trata-se de uma tirania e um regime corrupto", afirmou o americano. "A reunião não terá qualquer relação com desarmamento. Mas com ataques contra os americanos e contra a democracia", disse.

"Existe algo de muito errado sobre como admiramos nossos trabalhos quando situações como essa são permitidas", completou.

 

Dóceis aliados

Valero, em seu primeiro discurso, prometeu trabalhar para buscar o "consenso" entre os países e pediu que governos atuem de forma "respeitosa". "A paz mundial deve prevalecer", disse. O embaixador ainda solicitou que os demais representantes "evitem usar uma linguagem inapropriada ou não-diplomática".

"Lamentavelmente, o representante dos EUA e seus dóceis aliados continuam trazendo a esse fórum assuntos fora do mandato em questão", criticou. Segundo ele, a reunião estava sendo alvo de um "uso indevido" e que não seria o local para promover "opiniões golpistas".

Agradecendo aos demais países que estavam na sala, o diplomata indicou que "a maioria" dos governos ainda reconhece Maduro e denunciou uma tentativa de intervenção por parte de Trump.

Não é a primeira vez que a presidência vai para as mãos de um governo questionado internacionalmente. Há dois anos, foi a vez da Síria de Bashar al Assad, de assumir o órgão da ONU.

Jorge Valero, embaixador da Venezuela, assume presidência de órgão da ONU. Foto: Jamil Chade

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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