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Diante de cortes, Saúde tenta salvar vacinas e pesquisas

Jamil Chade

22/05/2019 06h30

 

Corte de verbas da Finep ameaçou vacina da dengue e pasta foi obrigada a injetar recursos que faltavam.

 

GENEBRA – Diante dos cortes de recursos em pesquisa e ciência o Brasil, o Ministério da Saúde se mobiliza para tentar blindar projetos com alto potencial de retorno ou que sejam considerados como prioridade.

A informação é do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que está em Genebra nesta semana para reuniões na Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo ele, um corte de financiamento ao Instituto Butantan por parte da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) ameaçou impedir que a fase final de produção de uma vacina contra a dengue fosse realizada. A solução foi a injeção de R$ 80 milhões por parte do Ministério da Saúde, garantindo a sobrevivência da pesquisa.

A Finep é uma empresa pública de fomento à pesquisa e vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

"Neste ano, eu me comprometi com o Butantan. A Finep faria a alocação de R$ 81 milhões. Mas parece que sinalizou que não poderia fazer. Não poderia deixar sem financiamento. Estamos na última etapa e não vai ser por R$ 80 milhões que eu vou perder uma vacina que vai me dar bilhões de reais", disse o ministro.

Segundo ele, as pesquisas brasileiras começam a ter resultados importantes. "O Instituto Butantan está na última fase da vacina da dengue de dose única", disse. Segundo ele, em maio de 2020, a entidade deve anunciar o novo tratamento, considerado como histórico.

Sua perspectiva é de que os índices que ela está apresentando apontam que a vacina poderá caminhar para uma aceitação universal. Entre outubro de 2018 e maio de 2019, a dengue fez 200 mortes no Brasil, além de um enorme problema de absenteísmo e uma perda econômica.

"Nesse tipo de situação é que estamos trabalhando, com bom senso e trazendo a academia junto. E estamos dizendo: olha só, isso aqui não podemos deixar. Se deixar, escapa, o americano vai registrar e depois vamos ter de pagar a eles", disse.

De acordo com Mandetta, sua pasta passou a instruir que processos seletivos e linhas de pesquisas sejam "bem focadas".

Procurada, a Finep disse em nota que recebeu, em 2017, o pedido de apoio do Instituto Butantan para o desenvolvimento de vacina para a dengue, "mas não possui autonomia para concessão imediata de recursos, a não ser por chamadas públicas ou encomendas por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações".

"A partir de proposta técnica elaborada pela própria financiadora e o Instituto, foi solicitado que o ministério fizesse, então, a encomenda à Finep. Embora tenha reconhecido o mérito da pesquisa, o MCTIC condicionou o apoio ao descontingenciamento de recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pela área econômica do governo, o que não ocorreu", diz a Finep.

Blindar

"Os cortes vêm ocorrendo desde 2012. Não estamos falando de cortes hoje. Estamos vindo com o painel do carro alertando. Ninguém gosta de cortar", disse. "Mas quando se faz uma expansão de pesquisa como o Brasil fez, o que eu estou tentando é classificar as (pesquisas) mais promissoras, aquelas que tem potencial e blinda-las", destacou.

Outra pesquisa que Mandetta decidiu que iria blindar é a do uso da bactéria wolbachia para impedir que o mosquito do aedes aegypti possa contaminar uma pessoa com dengue ou zika. A iniciativa foi da Fiocruz, substituindo o vírus pela bactéria. O projeto já foi colocado em seis cidades acima de um milhão de habitantes, no final de abril.

O ministro não esconde que não irá se constranger em solicitar recursos de agências internacionais, se houver necessidade. Durante os anos de expansão da economia brasileira, governos chegaram a se recusar a receber financiamento ou ajuda de fundos externos, alegando que tinha recursos suficientes e que poderia até mesmo ser um doador. Mandetta garante que, se necessário vai "pedir dinheiro, pesquisa". "Não se pode passar uma percepção de autossuficiência", disse.

Segundo ele, se o Brasil passou a um novo nível econômico nos últimos anos de crescimento, o país continua sendo um emergentes no que se refere aos critérios sanitários. "Precisamos sim de recursos", disse.

 

Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, revela que sua pasta se comprometeu a dar R$ 80 milhões para vacina da dengue diante de cortes.

Genoma

O ministro afirma estar especialmente preocupado com os gastos que países em desenvolvimento terão a partir da introdução da medicina genética e terapias para doenças raras a partir de manipulação da genético. "Isso quebra qualquer país, qualquer sistema", disse.

Nesta terça-feira, ele se reuniu com o secretário de Saúde dos EUA para discutir o assunto. "Os grandes laboratórios querem soluções verticalizadas e não horizontais", disse.

Um primeiro tratamento feito a partir desse modelo foi estimado em US$ 5 milhões para um único paciente no caso de atrofia medular espinhal. A justificativa do setor privado é de que esse não seria um remédio. Mas a cura, o que economizaria milhões aos serviços públicos em termos de espaço e outros gastos.

Mandetta, porém, alerta que o tratamento não reflete o preço da pesquisa. Mas o quanto o setor privado estima que um hospital público deixaria de gastar com um paciente. "Isso é extremamente perigoso", alertou.

Para ele, porém, a correção genética deve ser a tendência da medicina no século XXI, inclusive para a hemofilia. "No lugar da Hemobrás, fazemos apenas a correção genética", disse, numa referência à Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia.

No Brasil, ele indicou que quer trabalhar na criação de um Instituto de Genética Humana. "Não seria para produzir. Mas induzir pesquisa" completou.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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