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Responsável pela Lava Jato na Suíça é alvo de investigação

Jamil Chade

10/05/2019 10h59

 

Inquérito disciplinar é aberto contra o procurador-geral em Berna, Michael Lauber, por conta de encontros secretos com a Fifa. Ele admite, em resposta ao blog, que processo pode afetar andamento de investigações como a da Lava Jato. Mas se recusa a renunciar e garante que "sempre diz a verdade". 

 

GENEBRA – O procurador-geral da Suíça, Michael Lauber, passa a ser investigado e um inquérito disciplinar é aberto. Ele é o responsável máximo em Berna pela condução da cooperação com o Brasil para a troca de informações sobre os suspeitos da Operação Lava Jato. Sob sua responsabilidade também estão cerca de 60 processos criminais envolvendo ramificações do escândalo de corrupção.

Ao longo dos últimos quatro anos, foram milhares de documentos transferidos por Lauber ao Brasil que permitiram que políticos, empresas e operadores fossem presos, indiciados e mesmo condenados no País. Ele foi considerado por procuradores brasileiros como tendo sido "fundamental" para permitir que a Lava Jato pudesse avançar e recuperar milhões de reais.

Agora, porém, o chefe do Ministério Público é suspeito de ter mantido reuniões informais e não declaradas com o presidente da Fifa, Gianni Infantino. O problema: Lauber também investiga a Fifa desde 2015 e seus cartolas pelo escândalo de corrupção que levou à prisão mais de uma dezena de dirigentes e operadores do futebol.

As investigações foram lançadas nesta sexta-feira pela autoridade de supervisão do MP suíço e ocorrem às vésperas da eleição para o cargo de procurador-geral do país. Na Suíça, é o Parlamento que escolhe o procurador e Lauber era candidato à reeleição.

O que o inquérito quer saber, agora, é se Lauber violou seus deveres de função ao manter reuniões não declaradas com o presidente da entidade que ele mesmo investigava.

O encontro com Infantino, outro suíço, não seria um ato ilegal. Mas Lauber não os documentou e nem os informou aos demais procuradores.

No total, a suspeita é de que Lauber tenha mantido três encontros com o presidente da Fifa. Ao ter sua agenda revelada pela imprensa, Lauber declarou em novembro de 2018 que admitia que esteve com Infantino em duas ocasiões, ambas em 2016.

Mas ele insistia que não se lembrava de um terceiro encontro, supostamente realizado em 2017. Lauber ainda se recusa a aceitar que teria mentido e insistiu que os encontros faziam parte de um processo "normal" para permitir que o inquérito contra a Fifa avançasse.

Além disso, ele argumenta que Infantino jamais foi alvo das investigações, conduzidas principalmente contra dirigentes da era de Joseph Blatter.

Outro ponto considerado como crítico foi a forma pela qual Infantino se aproximou de Lauber. A primeira reunião teria sido solicitada pelo cartola da Fifa que se utilizou de um amigo comum de infância para fazer o contato. Esse amigo de infância era outro procurador, Rinaldo Arnold.

Deputados no Parlamento classificaram a realização desses encontros como "fatal" para a carreira de Lauber.

 

 

Atrasos

Fontes em Berna e Genebra que trabalham com casos de corrupção temem que, diante da crise no MP suíço, casos de grande proporção como o da Lava Jato sejam retardados e que processos sejam congelados.

Ainda existe o risco de que alguns dos inquéritos sejam obrigados a ser encerrados, por uma questão de limitação de prazos ou prescrição dos crimes.

Questionado pelo blog, Lauber admitiu que o impacto é possível. "Tudo tem impacto, tudo", disse.

Para ele, existe a risco de que a situação em seu escritório seja visto como uma "crise institucional" e que, portanto, seja usada por advogados. Sua avaliação é de que todos os demais parceiros seriam afetados, inclusive Brasil e Malásia.

"Temos que decidir alguns casos se vamos indiciar (os suspeitos) ou encerra-los", disse.

Lauber, porém, insiste que não abre mão de sua candidatura a mais um mandato e garante que "sempre diz a verdade". "Cabe ao Parlamento dizer", insistiu. "Se eu não me defender, não vai funcionar. Eu sei o que eu fiz e eu sei o que eu disse", declarou.

Visivelmente irritado, ele alertou que o processo é um ataque contra a independência de seu escritório. De acordo com ele, sua função é a de defender não apenas seu nome. Mas o próprio trabalho do Ministério Público da Suíça e proteger os grandes casos investigados pelos procuradores. "Minha tarefa é ficar e dar respostas", insistiu.

Existem ainda cerca de 60 processos criminais abertos contra suspeitos de corrupção envolvendo Odebrecht, Petrobras e outras empresas e políticos brasileiros.

O MP suíço também congelou mais de mil contas bancárias relacionadas com a Lava Jato. Apesar de ter devolvido parte dos recursos congelados ao Brasil, mais de US$ 700 milhões continuam bloqueados em contas na Suíça, aguardando uma conclusão dos inquéritos.

Para conseguir recuperar esses recursos, o Brasil precisará também da ajuda do escritório de Lauber.

Na Suíça, o sistema financeiro local passou a ser o foco das investigações. Depois de apurar quem recebeu a propina e quem as pagou, agora seria a vez de avaliar quem permitiu que esse fluxo fosse transitado pelos bancos locais.

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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