Relatores da ONU pedem acesso ao Brasil para examinar execuções e milícias
Jamil Chade
09/05/2019 04h00
Diante da ONU, protesto marcou o 1º aniversário do assassinato de Marielle Franco. Foto: Jamil Chade
GENEBRA – Relatores da ONU solicitaram autorização para fazer uma missão ao Brasil para investigar as execuções sumárias e a atuação das milícias. Documentos oficiais revelam que os pedidos já foram apresentados em 2018. Mas, até agora, o Brasil não deu sinal verde para a realização dessas missões.
O Brasil mantém uma política de portas abertas aos relatores da ONU. Mas condiciona as missões a um acordo sobre datas, uma forma encontrada pelo governo para administrar as eventuais visitas.
Em 2018, por exemplo, praticamente nenhum dos relatores foi autorizado a entrar no país. O Itamaraty justificava que, diante do período eleitoral no Brasil, essas visitas não tinham como ser realizadas.
Hoje, relatores diferentes da ONU aguardam na fila para que sejam autorizados a entrar no Brasil para realizar inspeções sobre violações aos direitos humanos. Alguns dos pedidos de missão ao Brasil datam ainda de 2017 e jamais foram atendidos pelo governo de Michel Temer (MDB).
Desde o início do ano, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) indicou que as visitas iriam ser restabelecidas. Nesta semana, por exemplo, o governo recebe a relatoria da ONU sobre a eliminação da discriminação contra pessoas afetadas pela hanseníase.
Em junho, existe a possibilidade de uma missão para avaliar a situação do racismo no país. Negocia-se ainda uma inspeção para examinar as ameaças aos defensores de direitos humanos no Brasil.
O que já está confirmado é uma missão para avaliar a situação das comunidades afetadas pelas barragens, em dezembro.
Fila
Mas nem todos os pedidos de visitas têm recebido uma resposta. No dia 20 de março de 2018, a relatoria que investiga a situação de execuções sumárias e assassinatos enviou uma carta pedindo para que uma missão ao Brasil fosse autorizada em 2019.
Nenhuma data foi estabelecida, por enquanto, para a viagem. Isso não impediu que, ao longo dos últimos meses, denúncias fossem apresentadas pela relatoria contra o governo brasileiro, pedindo explicações sobre assassinatos. Um dos focos do trabalho deve ser o papel das milícias.
Nesta semana, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa fluminense denunciou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), à Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas (ONU).
Em ofícios, a deputada Renata Souza (PSOL), que preside a comissão, aponta que as mortes em confrontos com policiais no estado do Rio chegaram a um nível recorde no primeiro trimestre deste ano. Foram, segundo ela, 434 pessoas mortas em ações das forças de segurança, entre janeiro e março.
Já no dia 9 de outubro de 2018, foi a vez do Grupo de Trabalho da ONU sobre Mercenários apresentar um pedido para realizar uma visita ao Brasil em 2019.
A missão teria, como ponto central, avaliar o trabalho de empresas de segurança privada no Brasil, assim como eventuais cruzamentos com milícias. Não há, por enquanto, qualquer sinalização por parte do governo sobre uma eventual data para a visita.
Em 2018, a relatoria sobre trabalho escravo havia solicitado autorização para realizar uma missão ao país. Até agora, uma data não foi estabelecida. A viagem ganhou ainda uma importância maior diante das modificações promovidas pelo governo no que se refere ao fim do Ministério do Trabalho.
Resposta
Consultado, o Itamaraty indicou que o "governo brasileiro dá grande importância aos pedidos de visita de titulares de procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos".
"Considerando a impossibilidade logística de receber, no ano corrente, todos os relatores, peritos e grupos de trabalho que solicitaram visita ao país, o atual governo retomou o recebimento de visitas de procedimentos especiais de forma escalonada", explicou a chancelaria.
"Seguindo essa lógica, o governo brasileiro iniciou gestões, recentemente, para agendar três visitas de procedimentos especiais das Nações Unidas para 2019", disse.
O governo destaca que, neste momento, está recebendo a relatora especial para eliminação da discriminação contra pessoas afetadas pela hanseníase, Alice Cruz, que, em 2017, havia solicitado visita ao Brasil para o ano de 2018.
"O relator especial sobre resíduos e substâncias tóxicas, Baskut Tuncak, de seu turno, após solicitação feita em agosto de 2018 para visitar o Brasil em 2019, e à luz dos eventos recentes em Brumadinho, foi convidado a realizar visita ao Brasil em dezembro de 2019", indicou o governo.
"Outros pedidos estão sendo avaliados e serão agendados oportunamente", completou.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)