Nos bastidores, ONU teme conflito, repressão e onda de refugiados
Jamil Chade
30/04/2019 16h29
Militares venezuelanos impendem a circulação de pessoas e veículos na fronteira com Pacaraima, RR (Ricardo Moraes/Reuters)
GENEBRA – A tensão em Caracas desde o início da manhã desta terça-feira deixou a ONU em estado de alerta. Oficialmente, a única declaração foi emitida pelo porta-voz do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, indicando que a entidade estaria disposta a mediar um diálogo.
Mas, nos bastidores, fontes de diferentes organismos confirmaram ao UOL que o cenário mais temido começa a se tornar realidade: o de um confronto armado aberto, provocações externas e uma repressão de um governo que se recusa a abrir mão do poder.
Num dos cenários examinados pela ONU, uma eventual guerra civil com apoio de mercenários externos ou uma repressão ainda maior por parte do governo de Nicolas Maduro aprofundariam ainda mais a crise humanitária. O resultado seria a fuga de milhares de pessoas para a Colômbia, Brasil, Peru ou Caribe.
Mesmo representantes de Guaidó admitiram que, em caso de uma derrota, temem serem alvos de uma resposta "sem pena" por parte de Caracas, com a abertura de um período de violações e caça a pessoas ligadas a qualquer tipo de oposição.
Desde 2015, três milhões de venezuelanos já deixaram o país. Mas, sem uma solução, o temor é de que outros 2 milhões tomariam a estrada nos próximos meses, criando um cenário inédito na história recente da América do Sul.
Nesta terça-feira, em Genebra, a crise era alvo de conversas nos corredores, em reuniões secretas e em dezenas de ligações entre a cúpula da entidade.
O UOL apurou que, desde janeiro quando Juan Guaidó foi reconhecido como presidente legítimo por vários governos estrangeiros, o Programa Mundial de Alimentação passou a se posicionar de forma estratégica nas fronteiras Venezuela para uma eventual operação.
Na OMS, fontes do mais alto escalão também confirmaram que a opção foi a de permanecer em silêncio para não provocar o governo de Nicolas Maduro e, assim, continuar a operar dentro do país. Caracas ainda fechou acordos com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e chegou a aceitar a visita de um grupo de especialistas do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos.
Agora, o novo cenário será alvo de um debate nesta quarta-feira, na sede da ONU em Genebra, entre representantes do governo de Guaidó e embaixadores do Grupo de Lima.
No caso de uma guerra civil ou um confronto armado, o temor da entidade é de que países já saturados de venezuelanos vivam um início de uma desestabilização em certas regiões, diante do novo fluxo.
Em dezembro, a ONU havia apresentado um plano de ajuda aos refugiados e imigrantes venezuelanos, estimando que a operação custaria US$ 700 milhões. Até meados de abril, a entidade havia recebido apenas 25% desse valor.
Durante todo o dia, embaixadores do governo venezuelano e representantes de Guaidó proliferaram reuniões e contatos com missões estrangeiras na ONU, cada qual na esperança de conseguir respaldo internacional.
Solução Política
Ecoando ao apelo da ONU, a chefe da diplomacia da Europa, Federica Mogherini, afirmou que a crise na Venezuela apenas pode ser solucionada de forma "pacífica, política e democrática". "A UE rejeita qualquer forma de violência", disse, apelando para que as partes evitem ações que resultem em perdas de vida e aumento da tensão.
"A UE está ao lado do povo venezuelano e de suas aspirações democráticas legítimas", completou a italiana, insistindo que continua a ver uma eleição livre e justa como a única forma de superar a crise.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)