Banco suíço desconfiou de depósitos para suposto operador do PSDB
Jamil Chade
29/04/2019 04h00
GENEBRA – O banco suíço que administrava as contas de Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da DERSA e considerado como um dos operadores do PSDB, suspeitou da origem do dinheiro do brasileiro.
Paulo Preto, como é conhecido, foi denunciado por suposta lavagem de dinheiro no esquema de propinas da Odebrecht. Vieira de Souza, que está preso desde 19 de fevereiro,é acusado de ter disponibilizado R$ 100 milhões em espécie ao operador financeiro Adir Assad, no Brasil.
Já a Procuradoria da República denuncia o ex-diretor da Dersa por manter R$ 131 milhões em quatro contas no banco Bordier & CIE, na Suíça. O dinheiro estava em nome da offshore Groupe Nantes SA, da qual o operador era o beneficiário.
A prisão ocorreu depois que os suíços enviaram ao Brasil os dados de suas contas secretas e que revelava até mesmo o pedido de cartões de crédito para ex-ministros brasileiros. Por meses, o trabalho dos suíços foi o de coletar, no banco Bordier & Cia, todos os extratos e documentos de transações relativas às quatro contas, desde o dia de sua abertura, em 2007, até 2017.
A suspeita dos investigadores era de que o dinheiro teria saído da Suíça diante do avanço das apurações do MP suíço contra brasileiros citados em casos da Lava Jato. Em 2017, o dinheiro foi enviado para Bahamas.
Mas, há quase uma década, num email interno do banco descoberto pelos investigadores, os funcionários da instituição já levantavam dúvidas sobre a origem dos recursos.
No dia 3 de fevereiro de 2010, o funcionário do banco Guy Lutz escreveu a outros três representantes do Bordier: Kurt Schwenk, Joseph Gomez e Philippe Rudloff.
"Pequenos riachos fazem grandes rios, não é mesmo?", escreveu Lutz, numa alusão a pequenos pagamentos a sua conta que, juntos, somariam uma fortuna. Segundo ele, desde 1 de janeiro de 2008, o cliente (Paulo Preto) "transferia com uma regularidade de um metrônomo pequenas somas que, hoje (em 2010), representam US$ 5,4 milhões".
Ele pedia "algumas clarificações complementares sobre a proveniência e origem dos fundos". Paulo Preto era considerado no banco como um PEP, sigla usada para Pessoas Politicamente Expostas e que, portanto, um controle extra deve ser realizado.
Para chegar à constatação, os gerentes se deram conta que mais de 30 depósitos tinham sido feito em suas contas apenas entre 2009 e 2010, com valores exatos de US$ 94 mil. Jamais os valores eram repassados num só dia.
No mês seguinte ao email, uma explicação seria fornecida e o banco optou por manter as contas do brasileiro e não denunciar uma suspeita de lavagem de dinheiro. O banco, porém, apenas prestaria informações às autoridades suíças em 2017, quando a investigação oficial foi lançada. A suspeita, hoje, é de que o dinheiro serviria para abastecer a diferentes políticos do PSDB.
Leia também:
- Delações apontam que PSDB-SP cobrou R$ 97 mi para caixa 2, R$ 39 mi para Serra
- MP-SP apura propina e caixa 2 em prejuízo de R$ 463 mi em obra de rodovia
- Paulo Preto desapropriou mesma área 3 vezes por dobro do valor, diz perícia
- MP investiga por que Paulo Preto pagou "donos errados" em desapropriação
Questionamento – O UOL apurou, porém, que o Ministério Público em Berna recebeu uma queixa de que as informações prestadas pelo banco e que foram transmitidas ao Brasil estavam incompletas. A empresa offshore que oficialmente tem seu nome vinculada às contas – o Groupe Nantes – chegou a pedir que a cooperação entre Suíça e as autoridades brasileiras fosse suspensa.
Os advogados do Groupe Nantes denunciaram o fato de que, incompleto, os dados bancários poderiam levar as investigações a conclusões equivocadas.
Numa carta ao MP, os advogados da empresa pediam "a cessação imediata de toda a cooperação com as autoridades brasileiras diante do fato de que a informação comunicada pelo banco Bordier ao MP parece incompleta, deliberadamente viciada".
A defesa da offshore alegava que existiria uma outra "instituição financeira intermediária estrangeira" que estaria operando entre o banco e as pessoas que deram as ordens de pagamentos.
Para os advogados, portanto, os extratos apenas poderiam ser usados se fossem acompanhados pela informação também existente na instituição intermediária. O problema, porém, é que o banco não repassou essas informações intermediárias.
A defesa alegava que, só com o que existe no Brasil, criaria-se uma "influência indevida no destino do procedimento brasileiro". A justificativa é de que, sem a informação completa, poderia-se concluir de forma equivocada que as "ordens de pagamento foram diretas, sistemáticas e exclusivamente ordenadas pelo Groupe Nantes".
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)