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Relatores da ONU criticam Bolsonaro por desmonte de combate à fome

Jamil Chade

28/02/2019 06h40

Em carta ao governo, especialistas da ONU questionam decisão de extinguir atribuições e rever o Conselho de Segurança Alimentar.  

 

GENEBRA – Uma carta enviada no último dia 22 de fevereiro por quatro relatores da ONU ao governo de Jair Bolsonaro critica a decisão do Palácio do Planalto de encerrar atribuições do Conselho de Segurança Alimentar (Consea).

Na avaliação dos especialistas, a decisão pode ter "um impacto negativo severo na realização do direito à alimentação e água no país, e em especial para pessoas vivendo sob pobreza e indígenas".

O documento obtido pelo blog é assinado pelos relatores da ONU, David R. Boyd, Hilal Elver, Victoria Lucia Tauli-Corpuz e Léo Heller.

Criado em 2006, o Consea era o principal instrumento legislativo para estruturar as políticas públicas de combate à fome. Um terço de seus membros vinha do governo e o restante da sociedade civil.

No dia 1 de janeiro, em um de seus primeiros atos no governo, Bolsonaro emitiu uma Medida Provisória que, de fato, extingue o Consea no que toca às suas funções e papel. "Expressamos nossa preocupação de que o fechamento do Consea possa ter um impacto negativo na obrigação de seu governo em respeitar, proteger e garantir a realização do direito à alimentação", diz a carta.

Pela MP, o Conselho passa a não ter a atribuição de propor ao governo "diretrizes e prioridades" da política de combate à fome. Além disso, a MP revogou os artigos que permitem o Consea estabelecer sua composição. Foi excluída também a atribuição de monitorar a implementação do plano nacional de combate à fome.

No primeiro dia do governo, a Casa Civil chegou a confirmar que o Consea foi "extinto". Mas garantiu que suas competências seriam distribuídas a outros órgãos.

De acordo com os relatores da ONU, os trabalhos do Brasil na última década na redução da fome passaram ser considerados como "um modelo de inspiração para outros países". "Consea foi um ator principal desse sucesso", alertaram.

Os relatores apontaram ainda que um dos resultados do trabalho do Consea foi o de aliviar a pobreza entre os pequenos agricultores. Entre 2010 e 2017, 3,1 milhões de toneladas de alimentos foram compradas de 160 mil agricultores. Essa e outras medidas permitiram que, e 2014, o Brasil fosse retirado do mapa da fome da FAO.

Para a ONU, portanto, existe uma "obrigação legal" do estado a não regredir ou enfraquecer leis e padrões no que se refere aos direitos humanos.

"Acreditamos que o fechamento do Consea é contrário à realização progressiva e acesso aos direitos", indicou a carta. "Tais mudanças podem representar até mesmo uma violação ao direito à alimentação", atacaram.

Na avaliação dos especialistas, o Consea "contribuiu para uma queda significativa da fome, da extrema pobreza, assim como a queda da mortalidade infantil no Brasil nas últimas décadas". "Portanto, o repentino fechamento do Conselho colocaria em questão o futuro dos esforços (de combate à fome e à pobreza) e ameaçaria minar o progresso feito pelos direitos humanos no país", apontam.

Resposta 

Numa resposta aos relatores, o governo indicou que "implementou importante reforma no início do mês de janeiro passado, por meio da Medida Provisória nº 870, com o objetivo de racionalização da estrutura do estado, promoção da eficiência administrativa e redução de gastos".

Mas garante que as atribuições apenas mudaram de ministério. O Decreto 9674, em seu artigo 46, cria a Secretaria Nacional de Inclusão Social e Produtiva Rural. "Esta nova Secretaria herdou as atribuições da antiga Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SESAN, constante da estrutura regimental do antigo Ministério do Desenvolvimento Social", explicou.

"O arcabouço legal relativo à segurança alimentar e nutricional continua vigente no país", garantiu. "O II Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional segue em implementação e os conselhos estaduais de segurança alimentar e nutricional (CONSEA-estadual) continuam ativos", afirmou Brasília. "O governo federal está aberto ao diálogo e reitera seu compromisso com a promoção da segurança alimentar e nutricional e o combate à fome no Brasil", completou.
 

 

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Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)


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