Na ONU, Brasil e cerca de 60 diplomatas abandonam discurso de regime Maduro
Jamil Chade
27/02/2019 08h34
Num ataque ao alinhamento do Brasil aos EUA, chanceler venezuelano respondeu à ministra Damares Alves, alertando que é o "Brasil que precisa se libertar das imposições". Ele ainda sugeriu um encontro entre Maduro e Trump para evitar uma guerra.
GENEBRA – O governo brasileiro, o Grupo de Lima, Israel, Austrália e alguns países europeus abandonaram a sala de conferências da ONU, num raro ato de protesto. A iniciativa foi a forma encontrada pelo Itamaraty para deixar claro que não reconhece o governo de Nicolas Maduro.
O boicote ocorreu nesta manhã, em Genebra, quando subiu ao púlpito da ONU o chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza. Seu discurso durante a reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas foi considerado como um "ato de cinismo" por diplomatas. Mais de 60 diplomatas deixaram a sala.
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No ano passado, também em Genebra, o mesmo ministro havia declarado que não existia crise humanitária na Venezuela e nem um êxodo. Segundo a ONU, 3,2 milhões de venezuelanos já deixaram o país.
O "walk out" promovido pelos diplomatas passou a mensagem de que não reconhecem aquele governo como o poder legítimo na Venezuela. Desde janeiro, Brasil, Colômbia, Equador e outros países passaram a considerar Juan Guaidó como o legítimo presidente da Venezuela.
Cadeira do Brasil na sala de conferências da ONU, em Genebra, fica vazia durante boicote
A delegação brasileira estava sendo liderada pela ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, que fez sua estreia internacional no púlpito da ONU na segunda-feira, dia 25. Durante seu discurso, ela atacou a "ditadura de Maduro" e convocou a comunidade internacional a "libertar" a Venezuela. Mas ela já deixou Genebra na manhã desta quarta-feira, antes do discurso do venezuelano.
Após seu discurso, Arreaza voltou a criticar o governo Bolsonaro. "Gostamos do povo do Brasil e acredito que é o Brasil que precisa se libertar do neoliberalismo e das imposições. Estamos à disposição do brasileiro para que libere do pior", disse, numa referência ao governo nacional e de seu alinhamento com os EUA.
Enquanto a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, saia da sala, funcionários da missão de Caracas se dirigiam o grupo. "Fascistas, fascistas", declarou um deles.
O gesto do boicote é raro nos fóruns internacionais. Na ONU, governos ocidentais abandonaram a sala de reuniões em 2011 quando o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, tomou a palavra para discursar e questionar a existência do Holocausto.
Questionado pelo blog, Arreaza minimizou o boicote durante seu discurso e a saída dos diplomatas diante de seus olhos. "Disseram que algo ocorreu enquanto eu falava. Isso não é importante. o que importante é que as pessoas do mundo nos ouviram", afirmou, garantindo que tem o apoio de cerca de 60 países, entre eles China e Rússia.
Mas o isolamento não ocorreu apenas na sala de Direitos Humanos. Na Conferência de Desarmamento da ONU, que ocorria no mesmo momento e também em Genebra, um segundo boicote foi promovido e, uma vez mais, a delegação brasileira abandonou a sala quando um representante de Maduro tomou a palavra para fazer um discurso.
"O governo ilegítimo não tinha nada que fazer ali. Aquela cadeira era do governo de Juan Guaidó", disse o embaixador dos EUA, Robert Wood. "Pedimos que aquela cadeira não mais seja ocupada pelo regime de Maduro", insistiu. "Esse foi um dia histórico", comentou.
O chanceler ainda rejeitou a existência de uma crise humanitária. "A fome, ela também existe na Colômbia. Isso é mediático. Mas não significa que haja uma crise humanitária. Isso é um pretexto para uma invasão", atacou.
Trump – Em seu discurso, Arreaza voltou a sugerir o restabelecimento do diálogo entre Maduro e a oposição, além de um encontro direto com Donald Trump. "Por que não?", questionou.
Essa não é a primeira vez que tal proposta é feita por Caracas. Em setembro de 2018, porém, Trump se recusou a considerar a oferta. O Brasil, em janeiro, também disse que não havia mais espaço para uma negociação.
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)