Maduro pede reunião com Trump para “evitar guerra”
Jamil Chade
27/02/2019 09h52
Governo de Caracas fez apelo enquanto dezenas de diplomatas abandonavam a sala na ONU, para mostrar o isolamento de Maduro. Casa Branca rejeita oferta e insiste que opção militar continua sobre a mesa.
GENEBRA – Num sinal interpretado entre diplomatas como sendo de desespero, o governo de Nicolás Maduro fez um apelo nesta quarta-feira para que um encontro entre o presidente da Venezuela e dos EUA, Donald Trump, seja realizado para que "uma guerra seja evitada".
O anúncio foi feito pelo chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, durante o Conselho dos Direitos Humanos da ONU. O discurso, porém, foi boicotado pelo Brasil e mais de uma dezena de países do Grupo de Lima, europeus, australianos e israelenses.
O ato, raro na diplomacia internacional, tentou mostrar o isolamento do regime Maduro. Enquanto os diplomatas deixavam o local em protesto à sua presença, Arreaza praticamente implorava por uma solução.
"Estamos sendo ameaçado por forças militares. A ONU tem que denunciar a agressão contra a Venezuela", disse. "Temos que parar essa guerra. Não quero voltar aqui no ano que vem para contar o número de marines americanos e de venezuelanos mortos",disse. "Sabemos resistir. Mas é o último [cenário] que queremos", declarou.
Em setembro de 2018, o governo venezuelano já havia sugerido uma aproximação ao presidente Trump. Mas a oferta foi rejeitada. O Grupo de Lima também insiste que não há mais espaço para conversar com Maduro.
Instantes depois, numa coletiva de imprensa em Genebra, o embaixador dos EUA, Robert Wood, insistiu que não haverá um encontro entre Maduro e Trump. "O presidente Trump está disposto a se encontrar com o presidente legítimo da Venezuela, que é Juan Guaidó", declarou.
Questionado pelo blog, Wood também deixou claro que, por enquanto, todas as opções estão sobre a mesa, inclusive a militar. "Não estamos tirando opções da mesa", disse, ao ser perguntado se o governo Trump retiraria a alternativa militar das soluções para Caracas. Segundo ele, porém, a prioridade agora é a de levar ajuda humanitária ao povo venezuelano.
O americano rejeita a ideia de que tenha sido uma pressão da Casa Branca que levou as demais delegações a deixarem a sala. "Foram decisões soberanas e que mostram a unidade da comunidade internacional", disse.
Arreaza ainda promove uma série de encontros bilaterais durante o dia para tentar conseguir apoio de potências para pressionar Trump por um encontro. Ele também se reunirá com a cúpula da ONU, sempre com o mesmo objetivo.
"Por que não um encontro Trump – Maduro?" lançou o chanceler, no mesmo dia em que o americano se reune com a Coreia do Norte, que chegou a ser considerada como "inimiga".
O discurso do chanceler para a imprensa internacional, porém, se baseava na negação de uma crise humanitária, denunciada inclusive pela ONU. "De onde é que vem essas notícias?", criticou.
"Não negamos que temos problemas. Mas não negamos a existência de um bloqueio", disse. "Isso não significa que exista uma crise humanitária. Isso é o pretexto para invadir meu pais", afirmou. "Há uma politização da ajuda humanitária e sua transformação em uma arma", alertou o chanceler. "Estão tentando uma intervenção sem o apoio do direito internacional. Tanto a Cruz Vermelha como a ONU evitaram participar da operação de entrega de ajuda (na fronteira), por saber que não estava dentro da lei", insistiu.
Segundo Arreaza, o sofrimento do povo venezuelano vem do fato de existir um bloqueio econômico, o que teria custado à economia local cerca de US$ 30 bilhões em ativos do estado bloqueados no exterior. Só em Londres, o Banco Central tem Us$ 1,5 bilhão das reservas externas venezuelanas congeladas.
Ele garante que a Venezuela "não está sozinha". "Temos apoio de China e Rússia e da ONU. Mas também temos o apoio de um grupo de 60 países", insistiu.
Para Wood, o argumento da Venezuela de que não existe uma crise humanitária "é ridículo".
Sobre o autor
Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.
Sobre o blog
Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)