Sem votos suficientes, Brasil cede na ONU em resolução sobre Venezuela
GENEBRA – O governo brasileiro foi obrigado a ceder e aceitou rever sua proposta de resolução na ONU que criaria uma comissão de inquérito internacional para investigar os crimes cometidos por Nicolas Maduro. Diante da oposição de países europeus e diversos latino-americanos, o Itamaraty teve de flexibilizar sua posição e aceitar apenas o envio de uma missão com um perfil mais restrito, num gesto que foi recebido pelos demais governos como um sinal dos limites da posição da diplomacia brasileira.
A votação ocorre em Genebra no final da semana no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Mas a iniciativa será alvo de intensas negociações durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. A delegação brasileira, conforme o blog revelou, recebeu uma orientação do governo americano para apresentar a resolução e o texto acabou se transformando em uma iniciativa do Grupo de Lima. Em Nova Iorque, a delegação brasileira ainda será composta por membros da oposição venezuelana.
Mas o projeto do Departamento de Estado, usando o Itamaraty, ameaçou não ser aprovado e a resolução acabou sendo modificada.
O texto original previa a criação de uma comissão de inquérito, algo que colocaria a situação da Venezuela no mesmo patamar de Síria, Mianmar, Coreia do Norte e Sudão. Além de investigar os crimes, o Brasil queria que a comissão também designasse os autores das violações, abrindo a possibilidade para que fossem levados a tribunais internacionais. Dentro de um projeto americano mais amplo, essa iniciativa ajudaria a colocar pressão sobre Maduro.
Mas a proposta não era bem-vista nem pela ONU e nem por diversos governos democráticos, como Espanha e mesmo a Itália.
O argumento da oposição ao texto era de que, ao criar a comissão, Maduro poderia romper definitivamente com a ONU, justamente no momento em que a entidade conseguiu abrir um escritório em Caracas para monitorar as violações de direitos humanos.
O temor da cúpula da Europa é de que, com um rompimento, seu escritório seja fechado, impedindo o acompanhamento dos casos. Maduro, ao mesmo tempo, não permitiria a entrada da comissão de inquérito e o resultado seria a incapacidade da comunidade internacional de saber o que ocorre dentro da Venezuela.
Entre os europeus, outra preocupação tem relação com o impacto que tal comissão poderia gerar nos esforços de mediação entre a oposição venezuelana e o regime de Maduro. Nos últimos meses, o governo da Noruega passou a organizar esse diálogo, ainda que sem êxito por enquanto.
Com a criação de uma comissão de inquérito que denuncie Maduro por crimes, a Europa acredita que esse esforço de encontrar uma solução política teria de ser abandonado.
Missão
A opção foi a de aceitar a recomendação da Europa, que prevê apenas o envio de uma missão para a Venezuela para coletar dados sobre execuções sumárias, desaparecimentos, detenções arbitrárias e tortura.
No meio diplomático, o envio de uma "missão de apuração de fatos" (Fact Finding Mission) não representa o mesmo nível de pressão que uma comissão de inquérito internacional, aberta a investigar todos os aspectos da crise na Venezuela e de forma permanente.
O novo rascunho da resolução, obtida pelo UOL, ainda estabelece uma condição: caso Maduro não coopere com a missão e se a crise se aprofundar ainda mais, a comunidade internacional voltaria a considerar a criação de uma comissão de inquérito.
O posicionamento que o Itamaraty acabou aceitando se contrasta com uma declaração emitida na semana passada pela própria chancelaria. Numa nota à reportagem, o governo insistia que "só uma comissão de inquérito internacional pode cumprir efetivamente a recomendação de responsabilização contida no relatório da Alta Comissária". O relatório em questão era o levantamento que Michelle Bachelet, número 1 da ONU para Direitos Humanos, havia produzido sobre a situação na Venezuela e que sugeria uma apuração para determinar os responsáveis pelas violações.
Do lado de Caracas, a medida proposta no novo texto continua sendo inaceitável e Maduro contará nos próximos dias com o lobby de governos como o da Rússia, China, Cuba, África do Sul e outros que tentaram convencer países a, pelo menos, se abster na votação.
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