Indígenas denunciam manobra de Itamaraty para esvaziar seus direitos na ONU
Povos autóctones estrangeiros temem que posição de Bolsonaro acabe afetando os direitos de grupos tradicionais pelo mundo, entre eles os escandinavos e norte-americanos
GENEBRA – Grupos indígenas estrangeiros acusam o governo de Jair Bolsonaro de estar tentando esvaziar a aprovação de uma resolução na ONU (Organização das Nações Unidas) que trata de seus direitos. Na visão dos povos indígenas, a atitude do governo nas negociações nos últimos dias revela como o discurso adotado pela administração Bolsonaro começa a ser traduzido em posições e vetos em documentos oficiais da ONU.
O debate ocorre nas Nações Unidas às vésperas da viagem do presidente para abrir a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e onde o tema das florestas estará no centro da agenda.
Por iniciativa de México e Guatemala, um rascunho de uma resolução está sendo negociado desde a semana passada na entidade internacional. O texto vai à votação na semana que vem, e o governo brasileiro garante que não irá vetar a resolução que renova o mandato da relatora da ONU responsável por proteger o direito dos povos indígenas.
Mas, nas negociações que já estão em andamento, o comportamento do Brasil deixou grupos indígenas irritados. Povos tradicionais das zonas escandinavas e russas têm acompanhado de perto a posição do governo de Bolsonaro e alertaram sobre a aproximação que existe entre a posição de Brasília e a de Moscou, hostil à ampliação de garantias. Grupos norte-americanos também têm colocado o Brasil como o "principal obstáculo" para o avanço dos direitos de indígenas no texto da ONU.
Os grupos autóctones, nos próximos dias, farão um intenso lobby com os governos do Canadá e europeus para que possam tentar frear a ofensiva de Brasil e Rússia, evitando o esvaziamento da resolução.
Indígenas brasileiros também farão pressão a partir desta semana em encontros nos bastidores com os governos da Suíça e representantes da União Europeia.
Nesta quarta-feira, o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) tomou a palavra na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU para pedir que a comunidade internacional "monitore" a situação no Brasil, considerada por eles como "grave".
"Os incêndios intensos nas selvas do Brasil preocupam toda nossa família planetária", disseram. Rebatendo o discurso usado pelo governo, o grupo denunciou a iniciativa de Bolsonaro de "responsabilizar, sem provas, ONGs trabalhando na região".
Os grupos indígenas ainda criticam a flexibilização das regras para a mineração, o congelamento de demarcações, o corte de orçamentos e o discurso de ódio "que legitima o desmatamento e a violência".
Negociação
Ao longo dos últimos dias, a posição do governo brasileiro foi a de questionar termos usados no rascunho da resolução. Num dos parágrafos da resolução, por exemplo, o texto se refere à necessidade de que governos "reconheçam o impacto cada vez maior de mudanças climáticas sobre os direitos humanos" e sobre a "forma de vida de povos indígenas".
O trecho foi considerado como sensível por parte do Brasil, que pediu ao mediador da negociação para considerar que ele teria "reservas" sobre tal declaração. O texto também indica a necessidade de "respeitar, promover a e considerar" os direitos dos povos indígenas, em linha com o Acordo de Paris, sobre mudanças climáticas.
Outro trecho que também gerou resistência por parte do Brasil foi o que indica que povos indígenas devem estar envolvidos na busca por formas de mitigar mudanças climáticas, além de pedir que conhecimentos tradicionais sejam considerados nas estratégias de políticas públicas.
O governo brasileiro também resistiu a outro trecho do texto em que apontava para um papel mais ativo de grupos indígenas dentro da ONU, sempre que o assunto fosse de seu interesse. Para o Itamaraty, o assunto ainda está em discussão na Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Num outro trecho, o Brasil também pediu mudanças no texto, no que se refere à possibilidade de que povos indígenas sejam alvos de consultas e diálogos. O governo ainda indicou que não vê com bons olhos uma proposta para ampliar o mandato de um fundo internacional, para que também lide com questões indígenas.
Enfraquecimento
Fontes próximas à relatora da ONU para temas indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, indicaram ao UOL que têm recebido indicações de que existe um esforço de Brasília para que, nos bastidores, seu mandato seja enfraquecido.
Na prática, esse enfraquecimento da relatoria minaria a capacidade de grupos indígenas de levar suas denúncias à entidade internacional.
O argumento seria que, com a ampliação do mandato de outros mecanismos dentro da ONU, não haveria a necessidade de manter uma relatora exclusivamente ao tema. Diplomatas brasileiros negam que haja um esforço neste sentido durante a reunião de 2019.
Victoria causou forte irritação na diplomacia brasileira ao criticar a situação dos indígenas e denunciar o esvaziamento da Funai e outros órgãos. Ela, porém, não tem direito a mais um mandato, já que completará seis anos nesta função.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.