Governo diz à ONU que ameaças contra Glenn e Miranda estão sob investigação
Brasil levou mais de dois meses para responder à entidade e se limitou a dizer que investigação está ocorrendo na PF, sob sigilo. Para David Miranda, a resposta "vazia" não surpreende.
GENEBRA – O governo brasileiro afirmou às Nações Unidas que as ameaças contra o jornalista Glenn Greenwald e o deputado David Miranda, seu parceiro, estão sendo investigadas.
O UOL revelou na semana passada que relatores da ONU enviaram um comunicado ao Itamaraty insistindo que cabe ao estado brasileiro proteger Greenwald, que passou a sofrer ameaças depois de publicar as conversas entre procuradores e o então juiz Sérgio Moro, no âmbito da Operação Lava Jato.
Numa carta datada de 3 de julho de 2019, o relator da ONU para a proteção do direito à liberdade de opinião, David Kaye, deixou claro sua preocupação diante da situação vivida pelo jornalista.
De acordo com a comunicação enviada a Brasília, o "estado tem uma obrigação positiva de prevenir ataques contra indivíduos por parte de agentes privados". "Consequentemente, a falta de diligência para prevenir, investigar, punir ou reparar os danos causados por pessoas ou entidades privadas pode igualmente dar origem a responsabilidades por parte do Estado", alertava.
O relator, apontando para a "urgência da questão", solicitou que o governo desse uma resposta sobre o que tem sido feito para proteger os direitos de Greenwald, de Miranda e outros. A carta também pedia que se informe quais medidas estão sendo tomadas para investigar as ameaças recebidas pelos jornalistas e "para processar e punir os responsáveis".
A resposta do governo ao relator foi enviada apenas no dia 6 de setembro, e sem indicar com detalhes o que tem sido feito. Parte da resposta de cinco páginas, porém, é apenas um apanhado de como funcionam os programas de proteção às vítimas e defensores de direitos humanos no Brasil, sem dizer o que de fato está sendo realizado no caso específico de Greenwald.
"Ao saber da comunicação da ONU, a Polícia Federal informa que todas as medidas investigavas relacionadas com o caso foram adotadas", disse o governo. "A PF já iniciou as investigações e o inquérito policial sobre as possíveis ameaças ao jornalista Glenn Greenwald e seu parceiro David Miranda", informou a carta, obtida pelo UOL.
Segundo o documento, as autoridades brasileiras estão "coletando dados" e buscando formas para "identificar os suspeitos e verificar os crimes relatados".
A carta, porém, indica que o conteúdo da investigação é "estritamente confidencial" e que "não pode ser informado antes da conclusão das investigações em andamento na PF do Distrito Federal de Brasilia".
Nesta quinta-feira, foi revelado que o Ministério Público do Rio (MP-RJ) recebeu do antigo Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) dados que apontariam para uma "movimentação atípica" nas contas de Miranda, com fluxo de R$ 2,5 milhões entre abril de 2018 e março de 2019.
O governo ainda aponta que Glenn Greenwald teria direito a buscar o programa de proteção de defensores de direitos humanos do estado do Rio de Janeiro. Mas alerta que esse é um ato "voluntário" da pessoa ameaçada e que, portanto, caberia ao jornalista dar entrada no pedido.
Sobre David Miranda, o governo explica que o presidente da Câmara dos Deputados ordenou que medidas de proteção ao parlamentar fossem tomadas. Mas tampouco entrou em detalhes. O texto apenas cita que, entre as medidas previstas nesses casos estão a segurança dos deputados e a possibilidade de que inquéritos sobre as ameaças sejam estabelecidos.
Vazia
Procurado pelo blog, o deputado declarou que "não surpreende que o governo brasileiro tenha levado dois meses para dar uma resposta vazia como essa aos questionamentos da ONU sobre as ameaças a mim e a meu marido".
"Estamos falando de um governo chefiado por alguém que afirmou que meu marido poderia ser preso – ou "pegar uma cana", para usar os termos de Jair Bolsonaro – simplesmente por fazer seu trabalho de jornalista", disse. "O Presidente do Brasil chegou a dizer que meu marido teria se casado comigo e adotado nossos filhos apenas para evitar sua deportação", afirmou.
Ele também aponta para as omissões na carta. "É sintomático que a resposta da representação brasileira em Genebra omita o fato de que o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, aliado de Bolsonaro, negou o pedido de escolta feito pelo Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e que até agora estou aguardando escolta da polícia legislativa para todo o território nacional – atualmente esta proteção só existe quando estou em Brasília", disse.
"Quanto à investigação da Polícia Federal, espero que ela seja conduzida com mais competência do que aquela que até agora não elucidou quem mandou matar Marielle Franco há quase um ano e meio; e que o desejo do Presidente da República em interferir no comando da PF, ou o fato de que a instituição é subordinada ao comando do Ministro Sérgio Moro – profundamente afetado pela divulgação das mensagens da força tarefa da Lava jato – não afete a condução desses trabalhos", afirmou Miranda.
Ele ainda alertou que o Brasil é o país que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos nas Américas. "Como deputado federal, usarei toda minha capacidade política e institucional para ajudar a mudar esta situação", disse. "Eu e meu marido não seremos intimidados", completou.
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