Ao defender ditadura chilena, Bolsonaro sabota campanha do Brasil na ONU
Em choque, diplomatas questionam candidatura do país para fazer parte do Conselho de Direitos Humanos.
GENEBRA – Os comentários do presidente Jair Bolsonaro sobre o pai de Michelle Bachelet, morto pelo regime de Augusto Pinochet, e sua apologia ao golpe de 1973 em Santiago foram recebidos na ONU com palavras como "vergonha" e "inconcebível".
Mas, além de uma condenação generalizada, os comentários de Bolsonaro apoiando a ditadura chilena aprofundaram o desgaste no momento em que o Brasil precisa de apoio para eleição a uma vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A votação é o primeiro grande teste da popularidade de Bolsonaro, que ainda neste mês fará seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Ações do presidente contrariam discurso diplomático
A campanha que o Brasil faz nos bastidores recebeu um duro golpe nesta quarta-feira. Respondendo a uma pergunta do UOL numa coletiva de imprensa em Genebra, Bachelet criticou a apologia à ditadura por Bolsonaro, a violência policial e alertou que o espaço democrático está sendo reduzido.
Entre diplomatas e observadores na ONU, os comentários contra Bolsonaro são considerados como um ponto problemático para as pretensões do Itamaraty de convencer a comunidade internacional de que está comprometido em defender a democracia e as liberdades no país.
Ao longo dos últimos meses, o governo Bolsonaro adotou um tom nos fóruns internacionais de que não existem riscos para a democracia em sua gestão.
O tom usado por Bachelet revela que Bolsonaro não tem conseguido convencer a comunidade internacional. Tradicionalmente contidos, os altos representantes dos organismos internacionais evitam entrar em choque com governos.
"Difícil votar pelo Brasil"
Mas o que já era um problema para o Brasil se transformou em crise. Bolsonaro, seu filho e assessores foram às redes sociais para atacar Bachelet. Se uma resposta era considerado como legítima, a apologia que foi feita ao regime de Augusto Pinochet e a referência ao assassinato do pai da alta comissária pela ditadura criaram um sentimento de inconformidade nos corredores da entidade.
"Não. Ele não escreveu isso!?", comentou um embaixador ao ler os ataques do brasileiro. Um diplomata europeu já sabia do incidente. "Vocês não tem vergonha?", questionou. Uma outra ainda constatou: "Não está fácil ser brasileiro hoje". "Nojo" era também a palavra que circulava entre diplomatas de países democráticos.
Observadores indicaram ao UOL que o confronto entre Bolsonaro e Bachelet pode criar um atrito perigoso, às vésperas das eleições na ONU. "Vai ficando cada vez mais difícil votar pelo Brasil", disse outro negociador.
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O Grupo de Lima, países latino-americanos que apoiam a queda de Maduro, afirmou que votará pelo Brasil. Mas o constrangimento entre outros países ocidentais é cada vez maior. Negociadores admitem que, ironicamente, o Brasil tem um discurso de proteção aos valores ocidentais contra a ameaça ao cristianismo. Mas tem sido obrigado a buscar votos de regimes autocráticos árabes e asiáticos, além de ditaduras africanas, para garantir os votos necessários.
Perder a eleição é uma tarefa difícil. Para as duas vagas para o Conselho, só existem dois candidatos: Brasil e Venezuela. Mas o número de votos precisa chegar a 97 e não são poucos os governos que se lembram como a Rússia não chegou a esse número ao tentar ser eleito, há poucos anos. A derrota foi um recado a Vladimir Putin e sua invasão do leste da Ucrânia.
Coly Seck, presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, afirmou que é contra a exclusão de um país do órgão por conta de sua situação. "Se critérios fossem estabelecidos, não teria nenhum país no Conselho", disse. Segundo ele, apesar das violações de direitos humanos por parte de um governo, é preferível que ele esteja dentro do Conselho, justamente para ser incentivado a mudar.
Diplomacia brasileira adota discrição
Horas depois do incidente, Bachelet manteria a primeira reunião com embaixadores e governos depois das férias do verão europeu e já preparando os trabalhos para a sessão do Conselho de Direitos Humanos, que começa na próxima semana.
O UOL foi o único meio de comunicação no encontro e constatou que a delegação brasileira, porém, não foi representada pela chefe da missão, a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo. No seu lugar, uma diplomata se limitava a tomar notas, enquanto dezenas de países tomavam a palavra para falar.
Enquanto o encontro ocorria, diplomatas recebiam e sussurravam comentários sobre os ataques de Bolsonaro contra a alta comissária.
Ao terminar o encontro, num elevador, três diplomatas latino-americanos de países que se comprometeram a votar pelo Brasil comentavam a situação."Como é que vamos votar por país assim? Meu Deus", lamentou um deles, sem saber da presença da reportagem no mesmo elevador.
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