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Jamil Chade

Ativistas acusam consulado brasileiro de tocar hino fascista

Jamil Chade

29/08/2019 11h00

 

Consulado honorário do Brasil em Santander (Espanha) nega que música tenha saído de seus escritórios, enquanto o Itamaraty diz que não vai se pronunciar sobre o assunto. Parlamentares espanhóis querem que governo interpele oficialmente o Brasil diante do caso. 

GENEBRA – Estudantes e ativistas que participaram de uma manifestação na última sexta-feira diante do consulado honorário do Brasil na cidade de Santander, na Espanha, acusam o escritório brasileiro de te-lôs recebido ao som de um hino falangista, Cara al Sol.

O evento ocorreu no marco das manifestações contra o Brasil pelas queimadas na Amazônia. O grupo era liderado pela entidade Fridays for Future, que promoveu ações similares em vários locais do mundo.

Num comunicado, o grupo contou que, ao se aproximar do prédio do consulado, a marcha foi recebida pela canção Cara Al Sol, hino da Falange Espanhola — grupo armado que apoiou a ascensão do ditador Francisco Franco nos anos 1930.

"Os primeiros manifestantes reportam que, desde a lateral do edifício consular, a um volume alto, começa a ser reproduzido o Hino Nacional da Espanha e o hino fascista", disseram os manifestantes em um comunicado.

O ato foi considerado, pelo movimento, como uma "provocação". A música parou quando a manifestação ganhou corpo. Mas, segundo os ativistas, duas mulheres, das janelas do consulado, ainda teriam zombado do cortejo.

O movimento pede, agora, uma retratação por parte do consulado. "São exigidas desculpas imediatas do consulado honorário do Brasil em Santander", apontam. Para eles, essa não foi uma ação "digna" e nem uma resposta "diante de um protesto pacífico".

Procurado pela reportagem do UOL, o Itamaraty disse que não iria se pronunciar se tomaria providências, se houve algum tipo de advertência contra a cônsul honorária ou funcionários, e nem se os ativistas receberiam um pedido de desculpas. A reportagem tentou contato com o consulado, sem sucesso. Este espaço continua aberto para que os responsáveis possam se pronunciar.

O status de um consulado honorário não segue exatamente os mesmos princípios que escritórios diretamente relacionados com o Itamaraty, como embaixadas, missões e consulados. Mas, ainda assim, cabe à chancelaria sua designação.

Condenação

A cônsul honorária, Carmen Gema Eato de Sa, ainda no fim de semana, enviou ao movimento ambientalista um comunicado. Mas garantiu que a música não veio de seus escritórios e nem foi reproduzida por pessoas que trabalham no local. "Não se pode responsabilizar ao consulado por ações de terceiros", disse.

Ela disse que não estava no escritório naquele dia. Mas garante que "condena a ação", inclusive por conta da "possibilidade de constituir numa tentativa de comprometer a imagem do consulado, a minha e de minha família". Apoiando atos pacíficos, ela indicou que está comprometida com o meio ambiente.

Ao UOL, um dos coordenadores do grupo, Adrián Glodeanu, deixou claro que seu movimento não ficou satisfeito com a resposta. "Consideramos que ela não pode desmentir os fatos, já que não estava lá, como ela mesmo afirma. Nós sim estávamos lá", disse.

"Por outro lado, apelam a um mínimo de respeito com o Estado democrático", insistiu. Segundo ele, tocar a canção não é um delito na Espanha. Mas o gesto foi considerado como "uma falta de respeito".

Nova Crise

A recusa do governo brasileiro em agir levou o partido Izquierda Unida a anunciar que irá levar o incidente ao Parlamento espanhol. O grupo quer que o governo de Pedro Sanchez questione oficialmente o Itamaraty e o presidente Jair Bolsonaro pelos caso. O partido alega que o ato viola a lei da memória histórica.

Franco

A canção alvo da polêmica foi escrita em 1935, atendendo a um pedido da Falange. O grupo armado buscava um hino para marcar seus encontros. Um dos homens que liderou a iniciativa foi José Antonio Primo de Rivera. Ao final da Guerra Civil, a canção se transformou em um dos hinos oficiais da ditadura franquista.

 

 

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)