Topo

Jamil Chade

População suíça poderá decidir nas urnas se quer acordo com Brasil

Jamil Chade

25/08/2019 17h02

Protesto diante do consulado do Brasil em Genebra. Foto: Jamil Chade

 

Diante de crise ambiental, ratificação de acordo com Mercosul pode ser decidido por referendo.

 

GENEBRA – A Suíça poderá submeter aos seus cidadãos o acordo fechado na sexta-feira com o Mercosul, que determina a abertura mútua de mercados. Liderados por deputados de partidos ambientalistas, cresce a pressão para que o tratado com o Brasil seja alvo de um referendo nacional.

Na sexta-feira, em Buenos Aires, o Mercosul fechou um acordo com o bloco de países europeus que não fazem parte da UE. Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein estabeleceram um tratado comercial com os países sul-americanos, abrindo o mercado de ambos os lados.

Mas rapidamente a imprensa, opinião pública, sindicatos e agricultores suíços se questionaram sobre a legitimidade de uma aproximação com o Brasil, num momento delicado do governo de Jair Bolsonaro em assuntos climáticos.

Conhecida por sua tradição democrática, a Suíça realiza diversas votações populares a cada ano. Cidades submetem às urnas a aprovação de orçamentos anuais e mesmo a reconstrução de uma igreja pode acabar sendo alvo de uma votação.

Com as imagens da Amazônia em toda a imprensa internacional, a ideia de uma votação popular sobre o acordo com o Mercosul partiu do Partido Verde, e rapidamente ganhou o apoio de sindicatos, entidades ambientalistas e mesmo de agricultores, que querem encontrar um motivo para frear o acordo.

"Enquanto a floresta amazônica está em chamas, o governo apresenta a conclusão de um acordo de livre comércio com o Mercosul, entre eles o Brasil", disse a deputada Lisa Mazzone. "Para os Verdes, a preservação da biodiversidade vem antes dos interesses comerciais", afirmou. Segundo ela, no sábado próximo, o partido decidirá se iniciará a preparação de um referendo, caso o Parlamento ratifique o tratado. Na prática, isso significa que o acordo não deve entrar em vigor até 2021.

A pressão não ocorre apenas na Suíça. Na Noruega, partidos de oposição já se mobilizam para frear o tratado. "Não se pode criticar o Brasil pelo desmatamento e, no dia seguinte, negociar um acordo de comércio como se nada tivesse ocorrido", disse Audun Lysbakken, chefe do grupo Socialista no Parlamento.

A referência é ao fato de o governo da Noruega ter anunciado, na semana passada, que estaria suspendendo os repasses de dinheiro para o Fundo Amazônia.

O Ministério do Comércio porém, garantiu que a gestão das florestas fez parte do tratado. "As partes se comprometem a lutar contra o desmatamento e proteger os direitos dos povos indígenas", disse, numa coletiva de imprensa em Oslo. Num comunicado, o governo também insistiu que o texto prevê "um compromisso recíproco a respeitar os objetivos do Acordo do Clima".
Congelado

Não é apenas na Suíça que o Brasil se transformou em assunto doméstico. Em Luxemburgo, que faz parte da UE, o governo indicou que irá "congelar" a ratificação do tratado entre Mercosul e UE, assinado em junho. França e Irlanda já tinham acenado na mesma direção, ainda que Alemanha e Espanha tenham se recusado a seguir esse caminho.

"O ministro de Relações Exteriores, Jean Asselborn, irá propor ao governo o congelamento da decisão relativa à assinatura do acordo (com o Mercosul)", indicou um comunicado de imprensa do governo local.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)