Boris, você está errado
GENEBRA – Boris Johnson foi demitido de seu primeiro trabalho como jornalista, no jornal britânico The Times. Motivo: ele inventou uma citação sobre Edward II.
Mas ele não desistiria. Com pouco mais de 24 anos, seria enviado para Bruxelas pelo Daily Telegraph para ser o correspondente para assuntos europeus. O ano: 1989.
Num perfil publicado pela revista The New Yorker, o autor conta como o jovem Boris conhecia bem a capital da Europa. Afinal, seu pai havia servido em Bruxelas como um dos funcionários da então Comunidade Econômica Europeia. Boris tinha apenas nove anos de idade quando sua família se mudou para Bruxelas.
Mas ao retornar para la, anos depois, inaugurou uma nova forma de fazer jornalismo entre os correspondentes: exagerar e colocar a opinião pública inglesa contra o bloco.
Em seus relatos, ele contava com um elevado grau de imaginação sobre como a UE queria padronizar os tamanhos de caixões pelo bloco, estabelecer que todo adubo tivesse o mesmo cheiro e até padronizar o tamanho de preservativos. Pouco daquilo tinha uma relação com a realidade.
Ao longo de sua carreira política, sua mente diferenciada e sua passagem por Oxford lhe garantiram grandes debates. Mas sempre usando atalhos, meias verdades e, segundo seus críticos, muitas ilusões. Para a oposição, a mais perigosa delas foi o Brexit.
Johnson teria vendido a saída do bloco como uma ilusão de uma maior renda à classe média frustrada do Reino Unido. Nas urnas, a estratégia funcionou. Hoje, Johnson chega ao auge de seu poder. E, imediatamente, a UE se prepara para viver meses intensos e turbulentos.
Não faltam ainda comparações com outros ilusionistas, como Boris Yeltsin. Ambos chegaram ao poder com promessas mirabolantes e irrealistas. Nos anos 90, o russo prometia levar a economia local ao capitalismo, num espaço de 500 dias. Hoje, é o outro Boris que promete ir adiante com o Brexit, custe o que custar, até o dia 31 de outubro.
Quem faz a avaliação é Vytenis Andriukaitis, o comissário europeu para a saúde e a segurança alimentar. De nacionalidade lituana, ele alerta que os aliados de Boris Johnson na campanha pelo Brexit seriam tão desonestos como Boris Yeltsin.
Sua avaliação é das mais duras contra o novo líder britânico, acusado por muitos na Europa por ter jogado a carta populista em busca de poder e levado o Reino Unido ao seu maior caos desde o final da Segunda Guerra Mundial.
"Quase ironicamente, sem comparar o próprio Reino Unido com a URSS porque não é comparável, não consigo pensar num padrão dourado melhor do que a URSS em termos de distorção de facto, falsificação da realidade e esquecimento brusco da realidade", escreveu.
"Depois, os heróis da era da perestroika juraram que iriam criar uma economia de mercado na Rússia pós-soviética em 500 dias! O "Programa dos 500 Dias" é história. Tal como as outras promessas mais irrealistas da altura, isto nunca se tornou realidade. As pessoas pagaram estas promessas vazias com empobrecimento, desigualdade e muito mais. O programa deixou também uma citação infame: Boris, ti ne prav ("Boris, você está errado")!
Para ele, Londres tem "um Boris diferente, claro, mas havia algo na maneira de fazer política que era semelhante: muitas promessas irrealistas, ignorando racionalidades econômicas e decisões racionais".
"Essas decisões levaram a uma nova constituição autocrática e finalmente abriram o caminho para Vladimir Putin. Hoje, na Rússia, temos oligarcas, uma pseudoeconomia de mercado, uma pseudo-democracia regulada e governada. E o autoritarismo de Putin. Para Boris Yeltsin, o aviso se tornou realidade: "Boris, você está errado". Esperemos que não seja o caso de Boris Johnson se ele for eleito hoje", afirmou o lituano.
Não faltam ainda críticos que também apontam para o caráter pouco diplomático do novo chefe de governo do Reino Unido. Os incidentes diplomáticos são vários. Mas um dos que ficou marcado foi quando ele chamou Obama de "presidente meio-queniano", numa alusão ao fato de o país africano ter sido parte do Império Britânico.
Eu estive em uma ocasião com ele, em 2012. Era a véspera da abertura da Olimpíada de Londres e o COI realizava um daqueles banquetes olímpicos. Johnson decidiu chegar ao evento em sua bicicleta e sozinho, em parte para ridicularizar os donos dos anéis. Enquanto me perguntava sobre o Rio em 2016, insistia que ele não tinha nada para comemorar. "Só podemos celebrar ao final do evento", disse, num sinal claro de que não descansaria para transformar aquele evento em um trampolim político.
Funcionou e ele acabaria assumindo posições cada vez mais relevantes no Reino Unido.
Ainda nos anos 90, quando o repórter Boris Johnson finalmente deixou Bruxelas e voltou para Londres, o então repórter do Times de Londres, James Landale, rabiscou um poema em sua "homenagem":
Boris told such dreadful lies
It made one gasp and stretch one's eyes.
Sua chegada ao poder, neste quente verão europeu, também está obrigando a muitos a suspirar.
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