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Jamil Chade

Bolsonaro não apoia investigação contra "política de execuções" de Duterte

Jamil Chade

11/07/2019 08h08

Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, se reúne nesta semana para tratar de crimes e violações

 

Europeus pediram abertura de investigação internacional contra a "guerra às drogas" adotada pelo governo das Filipinas e que já deixou 27 mil mortos. Resolução foi aprovada por 18 votos a favor e 14 contra. O Brasil, porém, se absteve.

 

GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro se absteve na votação de uma resolução na ONU que visava abrir uma investigação internacional sobre os assassinatos cometidos sob ordens do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte em sua "guerra contra as drogas".

A resolução foi apresentada pela Islândia para denunciar os abusos cometidos pelo governo de Duterte, que chegou ao poder com a promessa de simplesmente matar traficantes.

Dos 47 membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU, 18 votaram a favor da resolução. 14 votaram contra e 15 optaram por se abster, em sua grande maioria africanos e islâmicos. Além de Brasil, votaram pela abstenção países como Bangladesh, República Democrática do Congo, Nigéria e Paquistão. Na América do Sul, apenas o Chile seguiu a mesma postura do Brasil.

O governo brasileiro explicou sua opção. Apesar de se dizer "preocupado" com as violações cometidas durante a campanha anti-drogas, o Itamaraty não deu seu apoio à investigação.

Segundo a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, o país reconhece o "engajamento" do governo Duterte com a ONU e elogiou a "abertura ao diálogo" por parte de Manila. O governo apenas pediu que Duterte fortaleça sua cooperação com a ONU.

Entre as delegações estrangeiras, a postura do Brasil ainda foi interpretada como um temor do próprio governo de que, se tal política nas Filipinas possa ser alvo de uma investigação internacional, o mesmo poderia ocorrer eventualmente com as estratégias adotadas por Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, e mesmo com as posturas de Bolsonaro.

Tanto Witzel como Bolsonaro já foram alvo de denúncias por parte de relatores especiais da ONU quanto às suas políticas de direitos humanos.

O texto sobre as Filipinas não apoiado pelo Brasil pede ainda que o governo asiático pare com a prática de execuções sumárias. Duterte insiste que os 5 mil mortos até agora foram causados por traficantes que tentaram resistir às operações policiais. Mas ativistas apontam que, desde 2016 quando Duterte assumiu o poder, 27 mil pessoas foram assassinadas. Uma delas foi uma garota de três anos de idade.

Ao explicar a resolução, o governo de Islândia apontou para o aumento da "violência e impunidade" nas Filipinas. Em três anos, um total de 33 declarações foram emitidas pela ONU sobre a crise no país.

Em nome de todos os governos da UE, a Dinamarca apoiou a resolução, apontando a necessidade de que as mortes sejam investigadas. Peru e Uruguai também defenderam a resolução, alertando que existe propostas para reduzir a idade penal para apenas nove anos de idade e a pena de morte.

Em Manila, dezenas de ongs apoiaram a proposta dos europeus e ativistas foram até Genebra para fazer lobby pela resolução. O Conselho Nacional das Igrejas das Filipinas também apoiou o projeto.

O governo das Filipinas atacou a proposta, alegando que a resolução está baseada apenas "alegações". "A tentação é de abandonar tudo. Trata-se de uma resolução politicamente motivada", declarou a delegação de Manila. "Essa resolução nos coloca em um caminho perigoso", insistiu.

Manila deixou claro que não vai cumprir a resolução, chamou o ato de "farsa" e fez uma ameaça de que as "consequências serão amplas".  Mas também deixou claro que vai se lembrar dos "amigos" que ficaram ao lado de Duterte.

O voto brasileiro confirma uma mudança na alianças adotadas pelo Brasil. Se nos últimos anos o governo se alinhou sob a gestão de Michel Temer e mesmo nos últimos anos de Dilma Rousseff a uma postura mais dura em direitos humanos, a opção agora foi a de não atacar o governo Duterte.

 

Cristãos

Em outra decisão, o Brasil ainda votou a favor de uma resolução contra a Eritreia, pedindo que um mandato de um relator especial seja renovado por mais um ano. Neste caso, o motivo explicado pelo governo Bolsonaro: a existência de ataques contra cristãos no país africano.

Nos últimos dias, o Itamaraty passou a considerar a situação de cristãos pelo mundo como base de decisões internacionais.

Num recente discurso na ONU, um dos secretários do Ministério de Direitos Humanos, Sérgio Queiroz, também reforçou essa posição de denúncia contra a morte de cristãos. Pastor evangélico, ele é um dos nomes mais fortes da pasta comandada pela também pastora evangélica, Damares Alves. Por 21 votos a favor e 13 contra, a resolução foi aprovada.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)