Ratificação de acordo comercial dependerá de políticas ambientais do Brasil
Ex-comissário europeu indica que Parlamento dificilmente ratificará acordo comercial entre UE e Mercosul se Brasil não cumprir seus compromissos ambientais, inclusive na Amazônia.
GENEBRA – "Brasil faz parte do Acordo de Paris e terá de agir em conformidade, incluindo na Amazônia. Caso contrário, não há como ter agora uma maioria no Parlamento Europeu para apoiar a ratificação de um acordo comercial UE-Mercosul".
O alerta é de Pascal Lamy, ex-comissário europeu e um dos líderes de maior influência nas últimas décadas na formulação da política comercial da UE.
Na sexta-feira, depois de 20 anos de negociações, Mercosul e UE fecharam um acordo de livre comércio. Mas ficou claro que, pressionados, os europeus fizeram questão de ter compromissos da parte do Brasil de que o país não abandonará o Acordo de Paris sobre o Clima.
Em entrevista ao blog, o francês afirma que o acordo mostrou que o mundo continua apostando na abertura comercial como política de desenvolvimento. Mas também destacou que, diante da vitória de partidos Verde no Parlamento Europeu, a Amazônia e assuntos ambientais no Brasil estarão no foco do debate para a ratificação do tratado.
Lamy foi uma espécie de super-ministro do Comércio do bloco europeu entre 1999 e 2004 e esteve intimamente ligado aos primeiros anos da negociação com o Mercosul.
O francês ainda foi chefe de gabinete do presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, e serviu no gabinete do primeiro-ministro em Paris, Pierre Mauroy. Entre 2005 e 2013, ele ainda comandou a Organização Mundial do Comércio (OMC), num dos momentos mais delicados da organização e numa tentativa de superar um impasse entre países emergentes e economias ricas.
Eis os principais trechos da entrevista :
Em um momento de guerras comerciais, o que esse acordo consegue em termos globais e qual a mensagem para aqueles que buscam medidas protecionistas?
O acordo mostra o que sabemos: para além dos EUA, que instalaram unilateralmente restrições comerciais com todos, em violação dos seus compromissos internacionais, o resto do mundo ainda acredita que a abertura comercial, desde que devidamente regulamentada, é o caminho a seguir para melhorar as nossas economias. O mesmo se passa entre a UE e a Ásia. O mesmo se passa em África ou na Ásia. Os EUA são a exceção.
O sr. esteve completamente envolvidos durante anos na negociação deste acordo. Por que demorou tanto tempo?
Foram três razões. Durante muito tempo, a prioridade de ambos os lados foi com as negociações multilaterais no âmbito da OMC, porque as concessões comerciais têm uma maior alavancagem e valor multilateral do que as bilaterais. Mas isso começou a mudar quando a Rodada Doha -o nome anterior para o que agora é chamado de "reforma da OMC" – foi bloqueada pelos EUA – e de alguma forma também pela Índia – em 2008.
A segunda razão: encontrar o equilíbrio certo entre reciprocidade e assimetria num acordo comercial entre países desenvolvidos (UE) e em desenvolvimento (Mercosul) é extremamente difícil devido a sensibilidades setoriais compreensíveis de ambos os lados. O fosso entre o PNB per capita de ambos os lados diminuiu desde meados dos anos 90, quando começou.
E finalmente, o Mercosul é um agrupamento de quatro países difíceis de unir, e mais do que no passado, dado que a integração econômica no Mercosul tem sido, e continua a ser, extremamente lenta. Quando negociei com então chanceler Celso Amorim em 2000, o Mercosul era mais coeso e dinâmico, mas menos desenvolvido do que hoje.
O Brasil finalmente aceitou coisas que eram absolutamente uma linha vermelha no passado. O que mudou? O Mercosul perdeu oportunidades no passado?
Tanto o Mercosul como a UE mudaram desde o lançamento das negociações, tornando um acordo menos difícil. O Mercosul está mais desenvolvido e menos relutante em abrir mais indústria ou serviços. Já a UE reformou a sua política agrícola de uma forma a distorcer menos o comércio.
De acordo com as informações de que dispomos até agora, será difícil aprovar um acordo nos parlamentos de toda a Europa?
Sim, pode não ser fácil. Este acordo está baseado num velho modelo em que os tratados comerciais e de investimento têm de ser ratificados tanto a nível da UE – no Conselho que é o nosso "Senado", o Parlamento, a nossa Câmara dos Representantes. Mas também pelos estados-membros. Os novos modelos serão mais simples e apenas na UE. Não vi os detalhes, mas espero que exista a habitual cláusula de execução provisória.
O meio ambiente foi um elemento fundamental no acordo. Este tratado será capaz de frear os planos de Jair Bolsonaro na Amazônia?
O meio ambiente tornou-se uma prioridade política fundamental para a UE e a sua política comercial vai se tornar mais verde, sobretudo, mas não só, devido às recentes eleições europeias com um aumento significativo do grupo Verde no Parlamento Europeu. O Brasil faz parte do Acordo de Paris e terá de agir em conformidade, incluindo na Amazónia. Caso contrário, não há como ter agora uma maioria no Parlamento Europeu para apoiar a ratificação de um acordo comercial UE-Mercosul.
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