Ex-negociador agrícola se diz preocupado com termos de acordo com UE
Pedro de Camargo Neto classifica o acordo de histórico e comemora o fato de o Mercosul ter "saído do marasmo". Mas tem dúvidas sobre o que o tratado vai representar em termos de expansão das exportações agrícolas nacionais.
GENEBRA – Nos últimos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, um nome na agricultura era praticamente incontornável quando o assunto era comércio internacional: Pedro de Camargo Neto. Ex-secretário de Produção do Ministério da Agricultura, foi ele também quem iniciou as disputas comerciais contra americanos e europeus, com vitórias históricas já colhidas (e apropriadas) pelo governo Lula.
No currículo de Camargo Neto estão incontáveis viagens para reuniões na OMC e na UE, além de missões comerciais pelo mundo para abrir mercados. Após o final do governo Cardoso, ele assumiu a presidência da Sociedade Rural Brasileira e manteve sua influência sobre a posição do setor privado nas diversas negociações internacionais.
Hoje, diante do acordo entre Mercosul e UE, o ex-negociador da seu depoimento do que o processo significou e por qual motivo o acordo é histórico. Mas, realista, Camargo Neto não esconde: está preocupado com o que o Brasil de fato conseguiu em termos de acesso para os produtos agrícolas nacionais.
"O acordo é histórico no sentido que foi concluído após tantos anos de negociação", disse. "As administrações do Mercosul parecem entender que o acordo pode ter reflexos positivos em embates eleitorais. Já a União Europeia sofre a pressão da administração do outro lado do Atlântico", explicou. "Essa aproximação é para nós importante pelas identidades culturais das duas regiões. Esperemos que os países europeus valorizem e aproveitem esse desejo de aproximação", disse.
Alguns dias de embarques
Quanto ao volume exportado pelo Brasil, suas considerações são menos entusiastas. "Em termos de cotas agrícolas, elas são basicamente as mesmas que os europeus ofereciam há duas décadas e muito longe da nossa pretensão inicial, talvez impossível", disse.
"A caricatura é a cota de carne bovina de 99.000 toneladas, ainda a ser dívida entre os países do Mercosul, com todos os interessados e exportadores", destacou. "Isso deverá representar alguns dias de embarque para o Brasil", disse. Em 2004, a negociação fracassou quando o Brasil exigiu que a cota oferecida para a carne nacional fosse de 300 mil toneladas.
Mas ele não é totalmente pessimista. "As reduções tarifárias para alguns produtos são relevantes e nos colocam em pé de igualdade com outros países exportadores que possuem acordos", destacou. "Nós ganhamos, esses concorrentes perderam, a União Europeia fica basicamente na mesma", resumiu.
O ex-negociador também se diz preocupado com as notícias iniciais de uma eventual aceitação do princípio de precaução como mecanismo para impor restrições. "Era para nós inaceitável, questão de princípio, há mais das 2 décadas", disse.
"Atualmente, nas regras da OMC, é o importador que tem que provar que existe dano. Agora, com o princípio de precaução, eles poderão impor barreiras e seremos nós que teremos que provar que nossa exportação não causa dano. Há um importante caráter simbólico que cedemos em uma questão de princípio", alertou.
Outro aspecto é a situação sanitária. Para ele, o acordo pode ser "influência nas barreiras sanitárias do futuro". Mas ele lembra: "temos sido pródigos nessa área em facilitar os europeus fazendo bobagens". "Nossa prioridade deve permanecer em termos qualidade antes de tudo para o consumidor interno", disse.
O ex-negociador também se diz preocupado com a utilização da "questão ambiental, aonde as verdades são mais complexas de provar". "Neste exato momento, ongs ambientalistas europeias pressionam por barreiras na soja produzida no broma Cerrado", alertou, apontando para o fato de a produção estar dentro das regras do Código Florestal e com técnicas de excelência.
Ainda assim, Pedro Camargo Neto admite a importância do acordo. "É histórico no sentido que provoca outros países a olharem para o Mercosul com maior atenção. A preferência obtida pelo europeus pelo mercado consumidor do Mercosul não é desprezível. Teremos que negociar. Viva. A fila andou. Saímos do marasmo", completou.
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