Mercosul e UE fecham acordo histórico
Volumes oferecidos para o acesso à carne bovina brasileira no mercado europeu são bem inferiores ao Itamaraty exigia em 2004.
GENEBRA – Depois de 20 anos de negociações, o Mercosul e a União Europeia fecham um acordo histórico, mandando uma mensagem forte em plena guerra comercial de que entendimentos para abrir mercados ainda são possíveis.
A negociação foi encerrada em Bruxelas e a esperança é que, com o acordo, exportações brasileiras sejam ampliadas, principalmente no que se refere aos produtos agrícolas. Cotas foram estabelecidas para os produtos mais sensíveis, com a meta de não afetar de forma profunda os fazendeiros europeus.
O governo brasileiro se recusou a revelar qual será a proporção do mercado que recebeu para produtos centrais para o acordo, como açúcar, etanol, frango e carne bovina. Isso, segundo o Itamaraty, seria informado apenas nos próximos dias.
Mas fontes na UE indicaram que, para a exportação de açúcar do Mercosul, o bloco recebeu uma cota de 150 mil toneladas, contra apenas 99 mil toneladas para carne bovina. Dentro desse total, o Brasil pagará uma taxa reduzida para entrar no mercado europeu. Acima disso, os impostos sobem de maneira importante. Os valores são inferiores ao que, há mais de uma década, o Brasil chegou a exigir como condição para aceitar um tratado.
Em 2004, o Itamaraty havia solicitado acesso a 300 mil toneladas de carne bovina para o mercado europeu, além de 1 milhão de litros de etanol. Naquele momento, o Brasil se recusou a assinar um acordo se essas condições não fossem atendidas.
Agora, o Mercosul decidiu ceder, mesmo oferecendo uma ampla abertura de seu mercado em setores e cruzando "linhas vermelhas" estabelecidas nos últimos anos.
A ministra da Agricultura, Teresa Cristina, indicou que houve sim um avanço real no acesso a mercados. "Onde não ganhamos em volume, ganhamos em tarifas", disse, sem dar detalhes.
Do lado do Mercosul, haverá um período de transição também para a abertura dos setores industriais, como automotivos, químicos e outros. Em alguns casos, a redução de tarifas pode ocorrer durante dez anos. Mas, pela posição original do Brasil, essa proteção seria mais ampla. Nessa questão, o bloco também cedeu.
Iniciado em 1999, no Rio de Janeiro, sobre as Presidências de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Jacques Chirac, o processo sofreu diversos problemas. Do lado europeu, não havia interesse em concorrer contra os produtos agrícolas do Mercosul. Já Brasil e Argentina, por anos, evitavam abrir seu mercado em setores industriais.
O temor dos europeus, porém, passou a ser a influência de Donald Trump na região e perder espaço para os produtos americanos. Também pesou a possibilidade de uma vitória de Cristina Kirchner nas eleições na Argentina, o que suspenderia o processo por meses.
Às vésperas do G20 também houve apreensão após críticas feitas pela chanceler alemã, Angela Merkel, e pelo presidente francês, Emmanuel Macron, por conta da política ambiental brasileira durante o governo Bolsonaro.
Em 2018, o Brasil terminou o ano com um importante superávit de mais de US$ 7 bilhões com a Europa.
Num comunicado, a UE indicou que o novo acordo "consolidará uma parceria política e económica estratégica e criará oportunidades significativas de crescimento sustentável para ambas as partes, respeitando simultaneamente o ambiente e preservando os interesses dos consumidores da UE e dos sectores económicos sensíveis". A referência ao meio ambiente ocorre depois que os europeus passaram a ser pressionados pela sociedade civil sobre o interesse de um acordo com o governo brasileiro diante do desmatamento.
"O acordo hoje celebrado abrangerá uma população de 780 milhões de pessoas e consolidará as estreitas relações políticas e económicas entre a UE e os países do Mercosul", comemorou.
O Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, indicou que o acordo é "histórico". "No meio de tensões comerciais internacionais, estamos enviando um sinal forte aos nossos parceiros do Mercosul de que defendemos um comércio baseado em regras", disse. "Através deste pacto comercial, os países do Mercosul decidiram abrir os seus mercados à UE. Trata-se, obviamente, de uma excelente notícia para as empresas, os trabalhadores e a economia de ambos os lados do Atlântico, poupando mais de 4 bilhões de euros em direitos aduaneiros por ano", disse. "Este é o maior acordo comercial jamais celebrado pela UE", insistiu.
Phil Hogan, Comissário responsável pela Agricultura e o Desenvolvimento Rural, tentou dar garantias a seus produtores de que as exportações do Brasil não os tirarão do mercado. "O acordo UE-Mercosul é um acordo justo e equilibrado, que oferece oportunidades e benefícios a ambas as partes, inclusive aos agricultores europeus", disse. "Os nossos produtos agro-alimentares da UE, distintos e de elevada qualidade, beneficiarão agora da proteção que merecem nos países do Mercosul, apoiando a nossa posição no mercado e aumentando as nossas oportunidades de exportação", afirmou.
No Brasil, o governo indicou que "o acordo garantirá acesso efetivo em diversos segmentos de serviços, como comunicação, construção, distribuição, turismo, transportes e serviços profissionais e financeiros". "Em compras públicas, empresas brasileiras obterão acesso ao mercado de licitações da UE, estimado em US$ 1,6 trilhão. Os compromissos assumidos também vão agilizar e reduzir os custos dos trâmites de importação, exportação e trânsito de bens", disse o Itamaraty.
"O acordo propiciará um incremento de competitividade da economia brasileira ao garantir, para os produtores nacionais, acesso a insumos de elevado teor tecnológico e com preços mais baixos", afirmou. "A redução de barreiras e a maior segurança jurídica e transparência de regras irão facilitar a inserção do Brasil nas cadeias globais de valor, com geração de mais investimentos, emprego e renda. Os consumidores também serão beneficiados pelo acordo, com acesso a maior variedade de produtos a preços competitivos", anunciou.
Segundo estimativas do Ministério da Economia, o acordo representará um incremento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, podendo chegar a US$ 125 bilhões se consideradas a redução das barreiras não-tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos dos fatores de produção. "O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, será da ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações brasileiras para a UE apresentarão quase US$ 100 bilhões de ganhos até 2035", indicou.
Para a UE, o bloco aposta no aumento das exportações para automóveis, peças de automóveis, máquinas, produtos químicos e outros.
"O sector agro-alimentar da UE beneficiará da redução dos elevados direitos aduaneiros aplicados pelo Mercosul aos produtos de exportação, chocolates e confeitaria da UE , vinhos , bebidas espirituosas e refrigerantes", disse.
"O acordo proporcionará igualmente o acesso com isenção de direitos aduaneiros sujeito a contingentes para os produtos lácteos da UE (atualmente 28% de impostos), nomeadamente para os queijos", explicou a UE.
Os países do Mercosul instituirão igualmente garantias jurídicas contra imitações de 357 produtos alimentares e bebidas europeias de alta qualidade, reconhecidos como indicações geográficas (IG), como Tiroler Speck (Áustria), Fromage de Herve (Bélgica), Münchener Bier (Alemanha), Comté (França), Prosciutto di Parma (Itália), Polska Wódka (Polónia), Queijo S. Jorge (Portugal), Tokaji (Hungria) ou Jabugo (Espanha).
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