“É dramático o que está ocorrendo no Brasil”, lamenta Merkel
GENEBRA – Num raro ataque público ao governo brasileiro, a chanceler alemã, Angela Merkel, criticou abertamente o presidente Jair Bolsonaro e indicou que quer tratar da situação das políticas ambientais e de direitos humanos do Brasil quando estiver no Japão, no final da semana, para a cúpula do G-20.
A líder de um partido de centro-direita da Europa foi questionada sobre as negociações entre a UE e o Mercosul, que vivem seu momento decisivo. Diante do Parlamento alemão, ela deixou claro que a situação no Brasil não é de seu agrado no que se refere ao meio ambiente.
"Eu, assim como você, vejo com grande preocupação a questão da atuação do novo presidente brasileiro", disse, em resposta a um membro do Partido Verde, grupo que é a sensação da política alemã nas últimas semanas. "E a oportunidade será utilizada, durante a cúpula do G20, para falar diretamente sobre o tema, porque eu vejo como dramático o que está acontecendo no Brasil", prometeu Merkel.
O UOL apurou que diplomatas alemães tem alertado a interlocutores sul-americanos que a imagem hoje do governo brasileiro na cúpula de Berlim é das "piores". Além de sérias desconfianças sobre a capacidade de dar respostas à crise social e de direitos humanos, os alemães temem uma guinada perigosa em temas ambientais.
Merkel sabe que seu partido será cobrado nas próximas eleições gerais e que tem como grande desafio os partidos ecologistas. Por isso, a decisão de Berlim está sendo a de atacar publicamente Bolsonaro e suas políticas na Amazônia.
Mesmo assim, na semana passada, a chanceler assinou uma carta de apoio a uma conclusão de um acordo com o Mercosul, o que foi criticado por grupos ambientalistas e ativistas de direitos humanos. Para muitos, o ato dos europeus será usado no Brasil como um certificado de que o governo é bem-vindo entre os principais líderes.
Para Merkel, porém, deixar o Brasil de fora de um acordo não mudará a política de Bolsonaro. "Eu não acho que não ir adiante com um acordo com o Mercosul vá fazer com que um hectare a menos de floresta seja derrubado no Brasil", disse. "Pelo contrário", insistiu.
Uma das financiadoras do Fundo da Amazônia, Merkel prometeu agir. "Eu vou fazer o que for possível, dentro das minhas forças, para que o que acontece no Brasil não aconteça mais, sem superestimar as possibilidades que tenho. Mas não buscar o acordo de livre-comércio, certamente, não é a resposta para essa questão", completou.
A Alemanha, no fundo, tem outra preocupação comercial. Diante da aproximação entre Bolsonaro e Donald Trump, Merkel teme que empresas americanas possam acabar ganhando preferências e afetar as inúmeras empresas alemãs instaladas no Brasil há décadas.
UE sinaliza ampliação de oferta agrícola ao Mercosul
Enquanto a pressão cresce, a realidade é que a Europa sinaliza uma ampliação de cotas para produtos agrícolas do Mercosul e o processo negociador de 20 anos pode estar finalmente perto de uma conclusão.
Na noite desta quarta-feira, o chanceler Ernesto Araújo se reúne em um jantar com a comissária de Comércio da UE, Cecilia Malmstrom, em Bruxelas. A partir de amanhã, a negociação será iniciada e um acordo pode ser anunciado na sexta-feira.
Para o Mercosul, um acordo sempre dependeu de uma maior abertura do mercado agrícola da UE para suas exportações. Mas Bruxelas insistia que apenas poderia fazer isso se o bloco sul-americano colocasse sobre a mesa uma ampliação real de seu mercado para bens industriais da Europa.
Em 2017, numa sinalização positiva ao governo do então presidente Michel Temer, a UE ampliou as cotas para o frango brasileiro de 75 mil toneladas por ano para 95 mil. Mas o volume não foi o suficiente para que um acordo fosse obtido. Agora, algumas indicações apontam que a oferta poderia chegar a 160 mil toneladas e parte do setor privado já da como "fechado" esse capítulo.
No que se refere ao etanol, a proposta por enquanto estaria em 600 mil toneladas por ano, contra 99 mil toneladas para carne bovina.
Nesta quinta-feira, Araújo entrará para a reunião final com apenas um embaixador ao seu lado. Sobre a mesa, cinco temas que ainda vão requerer uma decisão política por parte dos dois blocos.
Se houver avanço, a ideia é de que o anúncio de um acordo seja feito pelos presidentes da Argentina, Maurício Macri, e pelo presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker. Ambos estão em Osaka para a cúpula do G-20.
Entre os europeus, apesar das divisões, um eventual acordo vai ser usado imediatamente como um recado claro a Donald Trump de que o livre comércio ainda pode aproximar países. O eventual acordo também será usado como um exemplo de que existe espaço ainda para o entendimento entre governos, num cenário internacional cada vez mais tenso.
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