Relator da ONU diz que conversas de Dallagnol e Moro são "preocupantes"
Em primeira declaração sobre o caso, o relator da ONU sobre a independência do Poder Judiciário, Diego García-Sayán, defende a imprensa e diz que teme que atos "debilitem" instituições que precisam lutar contra a corrupção.
GENEBRA – "Sumamente preocupantes". Foi assim que o relator da ONU (Organização das Nações Unidas) para a independência do Poder Judiciário, Diego García-Sayán, descreveu as conversas entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol.
Nos últimos dias, o material publicado pelo site The Intercept e pelo jornal Folha de S. Paulo revela a troca de mensagens entre o então juiz e o coordenador da Lava Jato. Moro não confirmou a autenticidade das mensagens e disse que uma organização criminosa teria tentando hackear seu telefone.
Em entrevista ao UOL às vésperas da reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, García-Sayán fez a primeira avaliação sobre o impacto do caso e deixa claro que tais revelações não são positivas.
"A informação publicada questionaria um elemento absolutamente essencial nos processos judiciais em geral, e nos processos penais de envergadura em particular, que são os princípios de integridade e de neutralidade nas decisões judiciais", disse.
"Existem disposições claras nas leis internas em vários países, e o Brasil não é exceção, onde a função da procuradoria tem que ser independente e diferente da função dos juízes. Cada qual deve se desenvolver dentro de seu próprio âmbito de competência", afirmou.
Quando isso se apaga, o princípio da neutralidade da Justiça se torna difuso. Acredito que seja uma informação muito séria. Não a assumo como uma prova de caráter judicial, pois não sou um juiz. Mas essa é uma informação sumamente preocupante.
Ele explica que sua avaliação não está baseada em "informações de primeira mão", mas no conteúdo que leu na imprensa. Ele, porém, poderá agir uma vez que tenha recebido o material de maneira formal, o que deve ocorrer nos próximos dias. Neste momento, portanto, ele irá avaliar o caso oficialmente e pedirá explicações ao governo brasileiro.
García-Sayán foi ministro da Justiça e das Relações Exteriores do Peru, além de ser juiz titular da Corte Interamericana de Direitos Humanos e seu presidente entre 2010 e 2012.
O relator explica o motivo de sua preocupação diante das conversas de Moro. "Em geral, isso da um sinal muito confuso do que pode ser o papel de um procurador e de um juiz", disse.
"Como eu venho dizendo, a corrupção é uma das grandes ameaças a nossas sociedades. E o desafio que nossas sociedades têm é de responder a isso com grande eficiência. Mas a quem corresponde dar essa resposta? Aos procuradores e juízes, que tem a responsabilidade de enfrentar a corrupção."
"Portanto, debilitar essas instâncias com atos que podem afetar sua imagem de integridade e independente é sumamente delicado", afirmou.
Imprensa
García-Sayán ainda fez um alerta diante dos ataques que o site The Intercept passou a sofrer por conta da publicação das conversas.
Para ele, é "muito delicado e perigoso" responsabilizar um "comunicador social que dispõe dessa informação" por sua publicação. Na avaliação do peruano, não apenas a imprensa está "em seu direito" de veicular a história, mas também tem em alguns caso a "obrigação moral torná-la pública" ao se tratar de um caso relevante.
"A resposta não é culpar a origem da informação. Mas responder ao conteúdo da informação, que é grave", disse.
O peruano lembra que, na América Latina, foram reportagens de imprensa que, em diversos países, estimularam investigações formais por parte de procuradores.
O relator, porém, diz que precisa ser "cauteloso" sobre a possibilidade de que as revelações anulem eventuais condenações e prefere não comentar. Para ele, o sistema judicial brasileiro é "muito sólido". "Os próprios canais internos vão exercer sua responsabilidade", completou.
Nesta semana, durante a apresentação de um de seus relatórios ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o peruano ouviu de 25 entidades brasileiras um alerta diante dos vazamentos. Em resposta, o governo brasileiro insistiu que aquele não era o local apropriado para debater o assunto.
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