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Jamil Chade

Na ONU, entidades criticam Moro e cobram garantias do estado brasileiro

Jamil Chade

24/06/2019 09h11

 

Itamaraty disse que Conselho da ONU não é local apropriado para discutir tais temas. 

 

 

GENEBRA – Um grupo de 25 entidades leva às Nações Unidas o debate sobre os vazamentos de conversar entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol. Numa declaração durante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, ongs alertaram que há uma "erosão" da confiança na judicatura e pedem que o estado brasileiro garanta a edição de contas por parte dos implicados.

O debate ocorreu durante a apresentação do relator da ONU, Diego García-Sayán, sobre a independência do Judiciário. A declaração foi realizada pela Articulação Justiça e Direitos Humanos, composta por grupos como Justiça Global, Terra de Direitos, Conselho Indigenista Missionário e Geledés Instituto da Mulher Negra.

As entidades lembram que, na conclusão do informe de Garcia-Sayán, o relator deixa claro que "juízes e procuradores estão facultados para exercer seus direitos a liberdade de expressão, crenças, associação e reunião, aquando com moderação e preservando a dignidade de suas funções".

"A independência da magistratura é uma responsabilidade imposta sobre cada juiz e se afirma em decisões honestas, imparciais baseadas no direito e nas provas", indicou o grupo em uma declaração lida na ONU nesta segunda-feira por Elida Lauris.

"Neste momento no Brasil, a investigação jornalística do (site) Intercept colocou em questão a imparcialidade e a independência da Operação Lava Jato, a operação brasileira mais reconhecida de luta contra a corrupção", declararam as entidades.

"Foram revelados diálogos comprometedores, envolvendo o principal juiz da operação, Sérgio Moro, e o grupo de procuradores responsáveis do caso", afirmaram. "Os diálogos apontam a indícios de extrapolação de funções, com posições partidárias, superposição de papeis entre juízes e procuradores e parcialidade na condução do processos", disse Elida.

"No caso que se colocam públicas as condutas de juízes e procuradores, a confiança na judicatura sofre uma erosão no Brasil", disseram. "A luta contra a corrupção feira sem o devido processo legal e garantias corrompe a confiança no sistema de Justiça. É importante que o Brasil afirme a confiança e a independência de sua justiça, garantindo a rendição de contas das autoridades responsáveis pelo abuso de poder e corrupção de funções neste caso", completou Elida.

Resposta

Pego de surpresa,  o governo brasileiro pediu um direito de resposta e alertou que o Conselho da ONU para Direitos Humanos não era o local apropriado para debater tais temas. "Lamentamos e acreditamos ser inapropriado trazer alegações para o Conselho relacionados a assuntos que não foram devidamente examinados pelas autoridades e pelo sistema judiciário no Brasil", disse um representante da chancelaria.

O Itamaraty indicou que as ongs não mencionaram que o material não foi entregue às autoridades competentes para que possam "de forma independente e de forma objetiva avaliar a integridade e veracidade".

"Os supostos vazamentos tem pingado nas últimas semanas, com relação a manchetes e trending topics. Mas ainda não chegaram às autoridades que tem as funções legais e conhecimentos para determinar se são verdadeiras ou falsas", disse o diplomata.

O Itamaraty garantiu que existe uma independência do Judiciário no país e que existem mecanismos fortes para lidar com abusos. Mais de 80 juízes foram punidos no país desde 2005.

O governo também insistiu que o combate à corrupção no Brasil ocorre em linha com a defesa dos direitos humanos e respeitando o devido processo legal.

 

Limites

Em seu informe apresentado nesta segunda-feira, o relator da ONU delimitou a forma pela qual juízes e procuradores em todo o mundo devem agir no que se refere a debates públicos, suas participações políticas e mesmo em redes sociais.

Eis algumas das principais recomendações:

  • Juízes e procuradores estão habilitados a exercer os seus direitos políticos em pé de igualdade com os outros cidadãos. No entanto, os juízes e procuradores devem mostrar contenção no exercício da atividade política pública, a fim de preservar a independência do Judiciário e a separação de poderes.
  • Mesmo nos casos em que a filiação a um partido político ou sua participação no debate público não seja expressamente proibida, é necessário que os juízes e promotores se abstenham de qualquer atividade política que possa comprometer sua independência ou prejudicar a aparência de imparcialidade.
  • No que diz respeito ao envolvimento direto na política, o Relator Especial é da opinião de que os juízes e procuradores devem evitar qualquer actividade política partidária que possa minar a sua imparcialidade ou ser inconsistente com o princípio da separação de poderes.
  • Ao exercer suas responsabilidades e deveres como funcionários públicos e de exercer contenção ao expressar suas opiniões e opiniões em quaisquer circunstâncias em que, aos olhos de um observador razoável, sua declaração possa objetivamente comprometer seu cargo ou independência ou imparcialidade. Entretanto, em algumas circunstâncias, eles podem expressar seus pontos de vista e opiniões sobre questões politicamente controversas, tais como quando participam de debates públicos sobre legislação e políticas que podem afetar negativamente o Judiciário ou o Ministério Público. Onde a democracia e o Estado de Direito estão ameaçados, os juízes têm o dever de falar em defesa da ordem constitucional e restauração da democracia. Em casos onde a democracia e o Estado de Direito estão ameaçados, os juízes têm o dever de falar em defesa da ordem constitucional e restauração da democracia.
  • Os juízes e procuradores devem ser reservados nas suas relações com a imprensa e devem sempre abster-se de comentar os casos que estão a tratar e evitar quaisquer observações injustificadas que possam pôr em causa a sua imparcialidade.
  • Os juízes e procuradores devem ser cautelosos ao utilizar as redes sociais; ao publicar informação nas redes sociais, devem estar cientes de que tudo o que publicam se torna permanente, mesmo depois de ter sido removido, e pode ser livremente interpretado ou mesmo retirado do contexto; ao fazer comentários anónimos na Internet, os juízes devem ter sempre presente que existem várias formas de identificar a pessoa que publicou o comentário.
  • Os juízes e procuradores devem sempre abster-se de fazer comentários políticos partidários e nunca devem publicar nada que seja contrário à dignidade do seu cargo ou que afecte o poder judicial ou o Ministério Público enquanto instituição.
  • Os juízes e procuradores podem utilizar o Twitter; no entanto, uma vez que as contas do Twitter as listam como juízes ou procuradores, tais contas só devem ser utilizadas para fins informativos e educativos e para actividades relacionadas com o trabalho.
  • Os juízes e procuradores têm o direito à liberdade de reunião pacífica. Ao exercerem este direito, devem estar conscientes das suas responsabilidades e deveres enquanto funcionários públicos e ter cuidado quando a sua participação numa manifestação pacífica pode ser considerada incompatível com o mandato da sua instituição ou com a sua obrigação de serem e parecerem independentes e imparciais.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)