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Jamil Chade

G-20: Bolsonaro fala em "virar a página da decadência moral e política"

Jamil Chade

19/06/2019 18h00

Jair Bolsonaro e Donald Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca (REUTERS)

 

Num sinal de choque com a agenda dos países ricos, governo brasileiro alerta que apenas vai aceitar uma reforma do sistema de comércio se as regras para agricultura passarem por correções.

 

GENEBRA – "Vamos virar a página da decadência política, econômica e moral que tem assolado o Brasil". É desta forma que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro apresenta o que ele chama de "um novo Brasil" e que estará presente à cúpula do G-20, na semana que vem em Osaka.

Num texto publicado ao lado de outros líderes internacionais e organizado pela Universidade de Toronto às vésperas da reunião no Japão, Bolsonaro desenha o que seriam suas principais mensagens ao diretório da economia mundial e deixa claro que qualquer reforma das regras comerciais terá de incluir uma mudança na agricultura.

Mas a insistência de Bolsonaro, pelo menos no texto, é a de mostrar que o Brasil que estará em Osaka é outro. "Os brasileiros expressaram, nas ruas e nas urnas de forma inequívoca, seu desejo por mudança", escreveu, num texto que mistura moralismo, política externa e economia.

Segundo ele, o país "deixou para trás" um estado "ineficiente, corrupto e permissivo sobre a violência". Em seu lugar, haveria um governo comprometido com o equilíbrio das contas e o estado de direito. Mas também cita a "proteção às tradições e valores morais", sem explicar quais seriam.

O texto aponta para sinais da estratégia internacional do país e Bolsonaro destaca papel do país para "contribuir para uma ordem internacional estável".

Na avaliação do presidente, a política externa deve ser resultado da "sociedade e refletir seus próprios costumes", além de crença na liberdade e democracia.

Um dos aspectos destacados é a transformação dos acordos de integração sul-americana, com "mecanismos guiados por princípios democráticos". Bolsonaro cita a Prosur, o novo fórum criado entre alguns dos presidentes da região. Segundo ele, esse seria um formato "mais pragmático" de integração.

Sua avaliação também é de que o Mercosul voltará a ter um "vocação" para o livre comércio e que irá dar prioridade para acordos com a UE e Canadá. Acordos com EUA, Nova Zelândia, Cingapura e Coreia também estariam sendo iniciados. Bolsonaro, num dos mantras de sua política externa, também volta a falar da "determinação" em aderir à OCDE.

Diferenças

Mas é no capítulo sobre a reforma do sistema internacional do comércio que uma diferença importante poderá ser registrada entre o Brasil e os aliados americanos.

Bolsonaro deixa claro que o sistema multilateral do comércio precisa passar por reformas para que seu "objetivo original de abrir mercados" seja cumprido. A tese é a mesma do governo de Donald Trump.

Mas ele insiste que existe uma diferença entre a posição do Brasil e do restante de países ricos. Para governo brasileiro, uma reforma da OMC e do sistema apenas pode existir se as distorções no setor agrícola forem corrigidas. Ou seja, uma redução de subsídios.

Com a OMC praticamente paralisada, a esperança de governos é de que uma reforma do sistema permita que os americanos possam voltar à mesa e que a entidade possa sobreviver. Para tanto, negociações tem sido realizadas para garantir essa "refundação" da OMC.

O problema, segundo diplomatas em Genebra, é que existe uma pressão para que a nova entidade simplesmente olhe para novos temas, como comércio eletrônico, e perpetue as injustiças no comércio agrícola, uma antiga bandeira de governos de Fernando Collor de Melo, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e, agora, de Bolsonaro.

Ao apresentar suas prioridades, o atual governo brasileiro usa exatamente os mesmos argumentos de todos os precedentes para justificar a necessidade de regras comerciais mais justas.

"Diferenças inaceitáveis entre as regras relativas aos produtos agrícolas e as relativas aos produtos industriais criaram distorções persistentes no comércio de produtos agrícolas, dificultando o progresso de muitos países em desenvolvimento", escreveu o presidente. "Tal como não podemos conceber uma reforma do sistema de comércio que não inclua produtos agrícolas, também temos estado ativos na negociação de novos temas, incluindo serviços, facilitação do investimento, pequenas e médias empresas e comércio electrónico", apontou.

"Numa altura em que as tensões comerciais exigem um consenso renovado sobre as regras internacionais, o Brasil está absolutamente convencido de que o equilíbrio dos interesses fundamentais deve ser assegurado para fazer avançar as reformas", defendeu.

Pressa

No que se refere à agenda doméstica, ele também sinaliza quais são suas diretrizes e como pretende atrair investidores externos. Segundo Bolsonaro, "o Brasil está com pressa".

A reforma da previdência é também mencionada com destaque. Segundo o presidente, haverá uma economia de US$ 250 bilhões em dez anos se o projeto passar.

Ele também revela como tem a esperança de que, até o final do ano, concessões e privatizações possam gerar mais de US$ 60 bilhões.

A agenda doméstica ainda é completada pelo pacote anti-crime e a promessa de uma reforma tributária para "trazer de volta a competitividade".

Em todo o texto, porém, nenhuma referência à proteção ambiental, desemprego e direitos humanos. A reunião do G-20 ocorre em Osaka entre os dias 28 e 29 de junho.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)