Redes sociais ameaçam a democracia, alerta último cartunista do NYT
GENEBRA – A "estupidez e mentiras" das redes sociais ameaçam a imprensa e a própria democracia. Quem soa o alerta é Patrick Chappatte, um dos chargistas mais celebrados da atualidade e que, até recentemente, publicava sua obra no jornal The New York Times.
Foi o suíço quem revelou, no início desta semana, que o NYT havia decidido colocar fim à seção de charges políticas e de opinião. A decisão ocorreu um mês e meio depois de o jornal veicular uma charge considerada antissemita.
Chappatte não era o autor do desenho, originalmente publicado pelo português António Moreira Antunes. A imagem mostrava Donald Trump sendo guiado pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, retratado na forma de um cachorro.
A charge gerou uma forte reação nas redes sociais e o jornal teve de publicar um texto criticando sua própria publicação e pedindo desculpas aos leitores.
O jornal garante que não foi esse recente episódio que levou a direção a optar por encerrar a seção de cartunistas e que essa decisão já tinha sido tomada antes dos acontecimentos. De fato, apenas a versão internacional do NYT traz charges, enquanto sua versão americana tradicionalmente não continha esse espaço.
Chappatte, porém, acabou sendo afetado e viu seu espaço ser suspenso. Nesta semana, ele escreveu em um texto em que alerta justamente para o papel das redes sociais.
"Temo que isso (o encerramento da seção) não seja só devido às charges, mas sim uma questão de jornalismo e de opinião de forma geral", disse. "Estamos em um mundo onde multidões moralistas se reúnem nas redes sociais e criam tempestades, que atingem as redações de forma arrasadora", escreveu Chappatte.
Democracia
Ao blog, o suíço que mora em Genebra deixou claro que está preocupado justamente com o poder das redes sociais e seu impacto para a democracia. "Meios de comunicação começam a se curvar diante da pressão das mídia social", disse. Para ele, o que temos hoje é um cenário em que são essas redes as reais detentoras do poder.
Chappatte deixa claro que o advento das plataformas sociais permitiu que cartunistas de países que vivem regimes autoritários pudessem, no exílio, continuar seu trabalho e influenciar até mesmo acontecimentos nos locais onde eles já não podem voltar.
Mas essas redes também representam uma ameaça, inclusive para as democracias. "Como sociedade, não estamos lidando com isso como adultos. Não parecemos estar preparados", disse.
"As novas mídias, sem uma curadoria profissional, são enormes ameaças ao discurso civilizado e à democracia", alertou. "Se hoje alguém se baseia por redes sociais, ouve estupidezes e mentiras", insistiu.
Multidões enfurecidas
Para ele, o papel do jornalista continua sendo o de "informar, analisar e colocar acontecimentos em perspectiva". Mas essa função estaria sendo minada por "multidões enfurecidas" e cabe aos jornais recuperar esse espaço.
O suíço conta como, diante desse poder raivoso das redes sociais, "todos se sentem rapidamente ofendidos". "Está difícil fazer sátira e ser irónico sobre o mundo", lamentou. Chappatte insistiu que a lógica nessas redes sociais não é a da razão. "A primeira voz mais raivosa é a que dá o tom. E isso é ridículo", atacou.
Para o cartunista, o risco é de que o humor acabe ganhando fronteiras rígidas e perigosas. "O humor é tão necessário para nossas vidas como o ar que respiramos", disse. "Com cada cartunista que é demitido ou morto, vamos perder se deixarmos isso ocorrer", disse.
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