Brasil vota contra resolução da OMS para garantir saúde a palestinos
GENEBRA – Revertendo uma posição tradicional do Brasil, o governo de Jair Bolsonaro votou contra uma resolução na Organização Mundial da Saúde (OMS) que defende medidas para garantir a saúde dos palestinos. Numa votação realizada em Genebra nesta quarta-feira, o governo optou por não apoiar o texto que lista uma série de exigências que Israel deve seguir, garantindo o acesso aos serviços de saúde em territórios ocupados.
A resolução foi aprovada por 96 votos a favor e apenas 11 contra, além de 21 abstenções. Votaram contra a resolução países como Austrália, EUA, Hungria, Israel, República Tcheca e Reino Unido.
Já o Chile, Argentina, Uruguai, Suíça, Suécia, Bélgica e todos os países árabes votaram a favor.
O apoio aos israelenses foi superior aos anos anteriores, quando apenas seis ou sete países votaram contra a resolução.
Após votar, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, explicou a decisão do governo Bolsonaro.
"Reconhecemos os desafios relacionados à saúde nos territórios ocupados e estamos dispostos a manter nosso engajamento positivo", disse a diplomata. "O Brasil considera que a constituição da OMS da um mandato amplo para acompanhar a situação de saúde em qualquer região do mundo, diante de critérios técnicos e da realidade objetiva no local". Na visão do Brasil, a OMS deve dar "prioridade a assuntos relacionados à saúde, em conformidade com o mandato da organização".
"Por esse motivo, o Brasil não estava em condições de apoiar a decisão proposta", completou.
No início do ano, o Brasil já havia modificado seus votos também no Conselho de Direitos Humanos da ONU, deixando uma posição histórica de apoio aos palestinos para sair em defesa de Israel.
Desde o início do governo Bolsonaro, Tel Aviv passou a ser um de seus aliados mais próximos, levando o presidente a fazer até mesmo uma visita ao país.
Em seu discurso perante a Assembleia Mundial da Saúde, o ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta, declarou na terça-feira que a "cobertura universal de saúde" era "prioridade" e que o governo está comprometido com iniciativas que possam garantir "o acesso à saúde para todos".
Mas, quando o assunto é a saúde dos palestinos, o voto brasileiro não é exatamente o mesmo de seu discurso e esbarra em assuntos políticos. O texto da resolução questiona o fato de que Israel não ter cumprido com recomendações da OMS de anos anteriores para garantir acesso à saúde aos palestinos e critica abertamente a ocupação.
De acordo com o texto aprovado e fazendo referências a um relatório preparado pela OMS, apenas 61% dos pacientes palestinos que pedem acesso para cruzar as fronteiras e ser atendidos em hospitais israelenses conseguem a aprovação. Em 2012, essa taxa era de 92%. Entre os acompanhantes, a taxa de aprovação é de menos de 48%.
Durante os confrontos em Gaza, em 2018, apenas um a cada cinco feridos conseguia ser levado a um hospital controlado por israelenses.
Entre os funcionários de saúde, apenas 15% dos pedidos foram aprovados e 90% das ambulâncias que pediram acesso a Jerusalem Oriental tiverem obstáculos. Apenas em 2018, 84% das 1462 trajetos de ambulâncias palestinas tiveram de ser interrompidas para que os pacientes fossem obrigados a mudar de veículos nos check-points.
O documento também denuncia o veto de Israel a algumas importações de vacinas, o que poderia minar a "sustentabilidade do programa de vacinação no território palestino e seu impacto para a saúde".
A resolução aprovada também denuncia o "aumento de incidentes e ataques" contra médicos e enfermeiras. Apenas em Gaza, foram 363 ataques, incluindo três mortes e 565 feridos. No total, 85 ambulâncias e três instalações médicas foram danificadas.
Já na Cisjordânia, foram mais 60 ataques, enquanto seis clínicas moveis foram impedidas de entrar em certas áreas por mais de duas semanas. Pelo menos um dos veículos foi confiscado por militares israelenses.
Dados
Segundo o levantamento da OMS, as disparidades de condições de saúde entre os palestino e israelense são claras. Nos assentamentos na Cisjordânia, a expectativa de vida de um israelense é nove anos superior a de um palestino, vivendo no mesmo território.
A violência é outra realidade dos palestinos. Em 2018, 299 deles foram mortos, enquanto outros 29 mil foram feridos no contexto do conflito, além de estimativas que apontam que metade das crianças sofreriam de alguma desordem mental ou problemas psicológicos por conta da tensão. No mesmo período, apenas 14 israelenses foram mortos, com 142 feridos.
A avaliação aponta ainda que a falta de soberania territorial tem implicações para a renda da Autoridade Palestina e, portanto, para a sustentabilidade do setor de saúde.
"Existe uma falta crônica de equipamentos, remédios e serviços", alertou o documento. Não existem, por exemplo, instalações para radioterapia nos territórios ocupados, salvo em Jerusalem Oriental. Em Gaza, 46% dos remédios da lista de produtos essenciais contavam com um estoque para menos de um mês.
Os cortes no fornecimento de energia também são considerados como problemas sérios para os hospitais de Gaza que dependem de geradores de emergência, colocando em risco a vida de pacientes.
O documento traz um exemplo de como os médicos do Hospital Pediátrico de Gaza foram obrigados a ventilar manualmente quatro crianças enquanto engenheiros se apressavam para arrumar o único gerador em funcionamento.
A resolução traz como conclusão: "a ocupação da Cisjordânia e a situação de Gaza afetam a saúde dos palestinos, com 68% das famílias sofrendo moderada insegurança alimentar", aponta. 1,9 milhão de pessoas dependem hoje de ajuda humanitária, com sérios impactos para a saúde.
Quase 100 mil crianças abaixo de cinco anos de idade estão em situação de vulnerabilidade, com 36 mil casos de diarreia.
Israel
Antes da votação, o governo de Israel atacou a resolução. Segundo a missão enviada por Netanyahu, os dados apresentados fazem parte de "falsas alegações". Israel apontou que o encontro havia se transformado em uma "plataforma de incitação". "Isso é vergonhoso", declarou a diplomacia de Israel, que rejeita que esteja impedindo a entrada de vacinas.
Para Tel Aviv, a resolução havia sido orquestrada por palestinos e sírios.
O governo dos EUA também criticou a resolução e denunciou a politização do debate. "A decisão não atinge seu objetivo de garantir o acesso à saúde", disse.
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