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Jamil Chade

Sem dinheiro, Comitê da ONU que avalia caso Lula pode ser suspenso

Jamil Chade

17/05/2019 12h33

 

GENEBRA – O Comitê de Direitos Humanos da ONU pode ser obrigado a cancelar suas reuniões no segundo semestre do ano, diante da falta de recursos. O órgão foi informado pelas autoridades das Nações Unidas que, diante da falta de pagamentos por partes dos governos, os trabalhos podem ser adiados para 2020.

O Comitê da ONU se reúne três vezes por ano e avalia queixas de pessoas de todo o mundo sobre eventuais acusações de violações de seus direitos. Em 2019, a primeira reunião já ocorreu e uma segunda estava prevista para julho. O último encontro seria em outubro. Mas, diante de um buraco nas contas, os trabalhos podem ser adiados.

É esse Comitê que examina a queixa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seus advogados alegam que seu processo no Brasil violou o estado de direito e que se trata de uma perseguição política.

Iniciado em 2016, o caso do brasileiro poderia ser tratado em sua fase final no segundo semestre do ano ou no começo de 2020, com uma recomendação final ao governo brasileiro. Mas, com a possível suspensão dos trabalhos, uma recomendação da ONU sobre Lula também ameaça ser adiada, já que toda a agenda de casos seria afetada.

Nos últimos meses, o governo brasileiro tem manobrado para adiar o máximo possível qualquer tipo de decisão, inclusive apresentando novos documentos para criar novos prazos.

O órgão não é o único que pode ser cancelado. Existem, hoje, dez comitês diferentes na ONU para tratar de temas como tortura, situação das crianças, racismo e outros. Desses, seis podem ter suas reuniões do segundo semestre de 2019 suspensas. No total, o buraco nas contas é de cerca de US$ 1,5 milhão.

A ONU estima que 64 queixas seriam afetadas, entre elas recursos de pessoas que estavam condenadas à morte e que pedem que seus casos sejam reavaliados.

Jens Modvig, presidente do Comitê contra a Tortura, admitiu que o caso da suspensão dos trabalhos por falta de dinheiro é "sem precedentes" na história da ONU. "Não podemos fazer nosso trabalho e monitorar estados", alertou. Para ele, a falta de recursos mina a confiança no sistema.

Modvig afirmou que os presidentes dos dez comitês já escreveram uma carta para o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, pedindo que soluções sejam encontradas.

Se nada ocorrer, as reuniões estarão canceladas até 2020, quando um novo orçamento entra em vigor. Mas, até la, dezenas de casos também ficam também suspensos e a pilha de exames de casos indivíduos aumenta para ser tratado a partir de 2020. "Esses casos individuais terão de ser adiados", alertou Modvig.

O orçamento dos comitês vem diretamente da secretaria da ONU que, com as contribuições dos países, reparte o dinheiro a dezenas de programas e iniciativas, entre elas os comitês. Hoje, o Brasil é o segundo maior devedor das Nações Unidas, com uma dívida de mais de R$ 1 bilhão. O maior devedor é o governo de Donald Trump.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)