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Jamil Chade

Chanceler faz périplo por governos populistas de direita na Europa

Jamil Chade

07/05/2019 04h00

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán (GETTY IMAGES)

GENEBRA – O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, inicia nesta terça-feira uma turnê pela Europa para se reunir com os aliados populistas de direita.

Se o atual governo não perde uma ocasião para criticar o caráter ideológico da política externa sob os governos do PT, a viagem à Europa do chefe da diplomacia brasileira segue o mesmo princípio de se aproximar justamente daqueles governos com ideologias semelhantes às defendidas pelo novo Itamaraty.

A atual viagem do chanceler inclui Itália, Hungria e Polônia, governos com posições praticamente idênticas de ataques contra as instituições internacionais e valorização do nacionalismo. Não se descarta que esses serão os países europeus de uma eventual turnê europeia de Jair Bolsonaro, no segundo semestre.

A primeira parada do chanceler é Roma, onde será recebido pelo ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, que em diversas ocasiões demonstrou seu entusiasmo por Bolsonaro. Salvini é um dos líderes de uma campanha na Europa contra a imigração irregular, inclusive de sul-americanos, e tem causado polêmica por seus ataques contra a abertura de fronteiras.

Na Itália, o chanceler ainda se reune com a ministra da Defesa, Elisabeta Trenta, além de reuniões de trabalho com autoridades do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Aproveitando a passagem por Roma, Araujo ainda se reunirá com autoridades no Vaticano.

A turnê europeia tem sua segunda escala em Budapeste, onde Araújo se reunirá com outro governo da direita populista, o de Viktor Orbán.

Em março, o chanceler húngaro, Péter Szijjártó, explicou ao blog que seu governo sente que compartilha dos mesmos valores de Bolsonaro.

"Em muitos aspectos, temos uma visão similar ao atual governo do Brasil", disse. "O destino das comunidades cristãs pelo mundo, questões de segurança nacional ou identidade nacional", apontou. "Acho que líderes como o do Brasil, o dos EUA, trazem ar fresco para a política global. Eles são corajosos suficientes para dizer que seus interesses nacionais são prioridades", destacou.

"Consideramos isso como uma visão muito patriótica e nós temos uma visão similar. Na Hungria, dizemos 'Hungria em 1º lugar'. Trump fala em 'America First' e o presidente (Bolsonaro) diz 'Brasil acima de tudo"', comentou.  "Patriotismo é positivo", declarou.

Viktor Orbán assumiu o governo de seu país em 2010 e, desde então, adotou uma linha que tem deixado até mesmo a direita tradicional europeia sem saber como reagir. Ao longo dos anos, ele mudou a Constituição Nacional, enquanto o cristianismo foi praticamente transformado em religião oficial.  Há poucos meses, o Parlamento Europeu o condenou por medidas que visam a minar a liberdade de imprensa.

Mas um dos principais pontos de atrito entre Bruxelas e Budapeste passou a ser o dossiê migratório. "Somos um país anti-imigração. Somos um país que não quer receber imigrantes", declarou o chanceler húngaro, um dos primeiros a denunciar o Pacto Global de Migrações, também rejeitado pelo governo de Jair Bolsonaro.

Szijjártó nega que exista o risco de que governos como o dele ou o do Brasil se transformem em párias internacionais. "Esse fenômeno patriótico vai ser cada vez mais forte. O politicamente correto e hipocrisia ganharam muito espaço e as pessoas estão fartas disso", atacou.

Para completar, o chanceler brasileiro termina sua visita pela Europa na Polônia, outro país governado pela direita populista.

Em Davos no início do ano, o presidente da Polônia, Andrzej Duda, indicou que acredita que Bolsonaro compartilhe os "mesmos valores" de seu governo.

Duda é criticado duramente pela União Europeia por violações no quase refere à separação de Poderes e criou polêmica ao passar uma lei em que passa a ser proibido dizer que houve cumplicidade da Polônia durante o Holocausto.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)