No salão oval, Brasil abandonou reivindicações históricas
GENEBRA – Um dos principais resultados da viagem de Jair Bolsonaro aos EUA foi um compromisso na área comercial. Um entendimento, porém, que representa a decisão do governo brasileiro de abrir mão de reivindicações históricas, de batalhas de décadas da diplomacia nacional.
Pelo comunicado conjunto publicado pelos dois países, o presidente Bolsonaro anunciou que o Brasil "implementará uma quota tarifária, permitindo uma importação anual de 750 mil toneladas de trigo norte-americano com tarifa zero".
Não há, porém, qualquer referência ao fato de que os americanos se comprometem a reduzir seus subsídios bilionários nesse setor, uma antiga luta encampada por diferentes governos brasileiros.
A lógica no Itamaraty desde os anos 90 era simples: não havia como o Brasil promover uma abertura comercial se o Tesouro americano continuasse a distribuir bilhões de dólares aos produtores agrícolas que, assim, conseguiam competir de forma desleal com produtos de outras partes do mundo.
Esse mesmo subsídio americano permitiria uma exportação a preços mais baixos, afetando a capacidade dos produtores nacionais a desenvolver seu setor.
Por mais de 20 anos, a diplomacia brasileira passou a insistir nesse ponto e rejeitava qualquer esforço americano para que a vinculação fosse desfeita.
Apenas no setor do trigo, entre 1995 e 2017, os americanos destinaram US$ 46 bilhões em subsídios. O Brasil, em 2002, chegou a avaliar abrir uma disputa comercial por conta também do produto. Mas acabou concentrando sua guerra contra a soja.
Sim, em 2018, o Brasil viveu uma quebra da safra de trigo e, em 2019, terá de aumentar sua importação. Com a cota oferecida aos americanos, o governo terá a possibilidade de segurar os preços ao consumidor final.
Mas o acordo com os americanos não é de apenas um ano e, no fundo, a concessão pode marcar o fim de uma vinculação da situação dos subsídios e a abertura comercial.
Em termos sistêmicos, portanto, a sinalização pode ser a de que um precedente está sendo aberto.
Também foi indicada a possibilidade de que o Brasil dê início à importação de carne suína dos EUA. Neste caso, o governo pode se confrontar com outro problema: a importação de risco sanitário.
A carne americana continua sob vigilância diante de uma recente epidemia e a entrada do produto no mercado brasileiro poderia derrubar anos de controles nacionais no setor suíno.
Oficialmente, o pagamento que ganhamos é a possibilidade de exportar carne bovina. Salvo que, de fato, não existia motivo real para que os americanos mantivessem o embargo à exportação brasileira e, agora, usam uma reciprocidade às avessas para conseguir exportar o que lhes é de interesse.
Somos ricos – Por fim, o capítulo mais indecente de toda a agenda comercial. O governo americano indicou que ajudaria o Brasil a aderir ao clube das nações ricas, a OCDE. Essa era uma reivindicação ainda do governo Temer, mas que esbarrava no veto americano.
Em troca de fazer parte dos países ricos ocidentais, o Brasil aceitou abrir mão de dinheiro. Ou seja, na OMC, o País abandonará sua reivindicação histórica por ser tratado como um país em desenvolvimento. Nas negociações futuras, aceitará os mesmos padrões de exigências, os mesmos cortes de tarifas e os mesmos compromissos que economias como a da Suíça, Finlândia, Canadá, Alemanha ou EUA.
Para que fique claro: a economia brasileira precisará fazer liberalizações no mesmo ritmo de economias maduras e tecnologicamente avançadas.
Saímos de Washington imaginando que estamos caminhando para ter um status de país rico, membro de um clube de ricos e seguindo as regras impostas aos ricos.
Apenas esquecemos de dizer que continuamos com milhões de miseráveis, uma economia frágil e uma desigualdade indecente.
Ao sair da Casa Branca, Bolsonaro justificou suas decisões: "alguém tinha de ceder". E com isso se foram parcelas dos mais de 20 anos de lutas, intermináveis reuniões e batalhas do Brasil para corrigir as regras comerciais internacionais.
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