O gerente das contas da Odebrecht
Fachada da sede da empresa Odebrecht, na zona oeste de São Paulo (EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS)
Investigações conduzidas por autoridades da Suíça apontam para suspeitas de que a construtora brasileira subornava com milhões de dólares um gerente de um banco em Lugano para ajudar a escapar dos controles internos e distribuir propinas pelo mundo.
GENEBRA – Ao longo dos cinco anos da Operação Lava Jato, as investigações apontaram que a Odebrecht pagou propinas para diretores de estatais, governos estrangeiros e parlamentares, financiou campanhas eleitorais e distribuiu dinheiro em grande parte da América Latina, sem qualquer preferência por ideologia política.
Mas, agora, investigações na Suíça suspeitam que a construtora também subornou pelo menos um gerente de contas ligado a um banco.
O suspeito é Heitor Duarte, ex-gerente do banco PKB Privatbank e já afastado da instituição financeira. O funcionário era quem coordenava as ações do banco para atrair clientes latino-americanos. Um deles: a Odebrecht.
Ainda em 2016, um dos chefes da Divisão de Operações Estruturadas da Odebrecht, Fernando Miggliaccio, reconheceu em sua delação premiada que o banqueiro auxiliava nos pagamentos das propinas pelo mundo, tendo acesso até mesmo ao sistema de mensagens que foi criado de forma paralela aos servidores oficiais da construtora.
A captura de Miggliaccio, naquele ano, foi considerada como um ponto fundamental do processo de investigação, já que seriam suas informações que permitiriam uma série de aberturas de inquéritos e o próprio acordo de leniência com a Odebrecht.
Em sua delação, ele apresenta a complexa relação entre os serviços no Brasil e uma rede de contas no exterior que serviam para camuflar pagamentos. Mas seu relato foi o primeiro que envolveu diretamente os bancos suíços, que por anos justificavam que não sabiam quais eram os motivos das transferências.
No total, o Ministério Público da Suíça considerou que 42 bancos suíços receberam algum tipo de transferência de suspeitos na Lava Jato. Mais de US$ 1 bilhão foram congelados em mais de mil contas. Um dos bancos usados, segundo Miggliaccio, foi o suíço PKB.
"O contato comercial era com Heitor Duarte, brasileiro, o qual ocupava provavelmente o cargo de diretor", disse em sua delação. O representante do banco e o executivo da Odebrecht se comunicavam por telefone, mas também usando o sistema desenvolvido pela construtora para emails, o Drousys. O banco, porém, não tinha acesso ao sistema.
Por quatro anos, a Odebrecht operou quatro empresas offshore naquele banco: Golac, Smith&Nash, Drumilan e Sherkson. Todas seriam bloqueadas pelas autoridades suíças ou fechadas em 2015.
De acordo com Miggliaccio, a empresa jamais aparecia como beneficiária das contas. Mas, segundo ele, "após a deflagração da Operação Lava Jato, alguma pessoa do banco inseriu a mão o nome da empresa Odebrecht, provavelmente por receio que houvesse alguma consequência mais grave".
Comissão – O delator, porém, revelou que o banco cobrava 1,5% pelo recebimento e envio dos recursos. "Desse 1,5%, uma parcela ficava com a instituição financeira, enquanto outra parcela ia para Heitor Duarte."
Documentos do Tribunal Penal Federal da Suíça indicam que empresas de fachada controladas pela Odebrecht fizeram pagamentos de US$ 2,6 milhões para contas de Duarte, em bancos nas Bahamas.
O que também chamou a atenção foi a forma encontrada para permitir a transferência do dinheiro. A conta usada era da empresa Genesis 7, no banco Pasche, em Nassau. Para os juízes, trata-se de uma "construção societária típica de um contexto de lavagem de dinheiro".
Os pagamentos não foram as únicas provas. De acordo com o tribunal, centenas de emails revelam a relação de proximidade que existia entre o banqueiro e Miggliaccio. Os documentos teriam sido entregues ao Ministério Público da Suíça pelo próprio PKB, que passou a cooperar nas investigações.
De acordo com a apuração, Duarte de fato sugeriu estratégias para que a Odebrecht pudesse burlar os controles internos do banco, ao realizar os depósitos pelo mundo. Pelo PKB passaram US$ 420 milhões dos US$ 440 milhões que a Odebrecht movimentou pela Suíça.
No início de 2018, o banco foi multado pela agência reguladora de Berna em US$ 1,3 milhão por seus problemas em lidar com os clientes brasileiros.
Resposta – Em seu processo, a defesa de Duarte explicou que os pagamentos de US$ 2,6 milhões eram "agradecimentos por serviços prestados". Parte do dinheiro ainda poderia ter ido para funcionários da própria Odebrecht, que ficariam com parte da comissão.
Ainda assim, o MP suíço confiscou bens de luxo que pertenciam ao ex-banqueiro, num valor total de US$ 500 mil. Com a ajuda da polícia espanhola, relógios de luxo, pedras preciosas e mesmo anéis de marca foram confiscados em sua residência, em Barcelona.
Os itens foram entregues aos suíços e, em 15 de novembro de 2018, o suspeito entrou com um recurso notribunal suíço para reaver seus bens. No início de fevereiro, porém, os juízes rejeitaram o pedido.
Os juízes consideraram que existem "indícios que denotam um comportamento muito suspeito" e que, portanto, o banqueiro pode ter se utilizado do dinheiro pago pela Odebrecht para comprar os bens de luxo, agora confiscados.
Na Suíça, as investigações sobre o papel de Duarte continuam, justamente para determinar seu papel no esquema de pagamentos da Odebrecht.
O banco, porém, já garantiu que os problemas estavam ligados ao gerente das contas e que, com sua demissão, a instituição encerrou o caso.
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