A ambígua relação do governo Bolsonaro com o multilateralismo
No âmbito da atual sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, a sociedade civil brasileira está acompanhando de perto da atuação do Brasil. Nesta terça-feira, dia 12, será realizado um evento na sede da ONU que irá debater a atual situação dos direitos humanos no Brasil.
O evento contará com a presença de diversos representantes de organizações, que irão debater temas como a situação dos defensores de direitos humanos, direitos dos povos indígenas, liberdade de expressão e associação, direitos econômicos e sociais, direitos da população LGBT, justiça criminal, entre outros.
Uma das entidades é a Conectas Direitos Humanos, para quem abro o espaço do blog para sua avaliação da posição do governo brasileiro diante de seu desafio internacional.
A análise foi produzida com exclusividade ao blog e é de autoria de Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, e Gustavo Huppes, assessor do programa Espaço Democrático da Conectas Direitos Humanos.
"A defesa do multilateralismo é marca histórica da diplomacia brasileira e nossa projeção e reconhecimento internacionais vêm, em grande parte, dessa tradição. O Brasil fez parte da criação da Liga das Nações em 1919, posteriormente da ONU em 1945 e de outros tantos organismos multilaterais. Temos a honra de abrir, a cada ano, a sessão da Assembleia Geral nas Nações Unidas.
Há duas semanas a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, proferiu um discurso no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em que acenou positivamente ao sistema multilateral, afirmando que o governo retomaria as visitas de procedimentos especiais da ONU ao país e pediu apoio à candidatura do Brasil para mais um termo como membro do órgão da ONU responsável pela a promoção e proteção dos direitos humanos no mundo.
O compromisso da Ministra Damares parece não estar completamente alinhado com o discurso do Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O sistema multilateral vem sendo atacado por Araújo, que em diversos discursos denuncia um suposto globalismo, que o vê como uma ameaça à soberania nacional.
Quando ressignifica de forma negativa o multilateralismo, Araújo parece deixar de lado as contribuições que o engajamento multilateral trouxe ao Brasil por meio de suas organizações internacionais como as Nações Unidas e a OMC (Organização Mundial do Comércio). Em seu discurso de posse, o chanceler afirmou que irá reorientar a atuação do Brasil nos foros internacionais com o intuito de trazer resultados concretos para a vida dos brasileiros. Se o Brasil quer se manter como um ator importante e relevante no cenário internacional é preciso, em primeiro lugar, fortalecer o multilateralismo.
É necessário ao Brasil um forte sistema multilateral para garantir maior capacidade de negociação e influência na política internacional para alcançar um impacto positivo no desenvolvimento econômico e social do país. Ao desprezar acordos multilaterais como o Pacto Global para Migração e o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, o Brasil compromete sua reputação externa como um ator que respeita os compromissos assumidos.
O multilateralismo não é apenas o locus onde o Brasil pode exercer sua liderança internacional. Ele também traz ganhos materiais ao país. No campo econômico, podemos citar a abertura a diferentes mercados internacionais, o fortalecimento dos BRICS e a criação do Novo Banco de Desenvolvimento. Na OMC, o agronegócio brasileiro foi beneficiado com o sucesso da diplomacia brasileira em disputas comerciais importantes.
No campo político, o engajamento multilateral trouxe ao Brasil relevância na política internacional, aumento de sua capacidade de negociação e soft power. O país liderou a Missão de Paz da ONU no Haiti, logrou apoio político nas discussões para uma futura reforma no Conselho de Segurança, desenvolveu um importante papel nas discussões no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU acerca do direito à privacidade, direito à saúde e combate ao racismo. Se nos afastarmos desses espaços, deixaremos de fazer parte da formulação de princípios que beneficiam a todos os brasileiros.
Além disso, a cooperação entre o Brasil e a ONU é cada vez mais necessária e deve ser fortalecida. Ao contrário do que afirma o Chanceler, a relação do Brasil com a ONU não é oposta ao que é importante para os brasileiros. Um exemplo disso é a resposta humanitária do Brasil ao fluxo de venezuelanos que tem sido implementada com enorme apoio da ONU por meio de várias de suas agências especializadas e órgãos como o ACNUR – Agência da ONU para Refugiados, a OIM (Organização Internacional para as Migrações) e o UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), que, desde 2017, têm dado suporte às ações para aliviar a crise instalada em Roraima.
Espera-se que o Brasil possa continuar com seu engajamento positivo dentro do multilateralismo e que a atuação internacional do novo governo respeite os preceitos constitucionais que regem as relações internacionais do Brasil pela prevalência dos direitos humanos".
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