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Jamil Chade

Suíça entrega ao Brasil extratos que podem revelar propina de Belo Monte

Jamil Chade

06/03/2019 04h00

Suspeita é de que cinco contas em nome da família do ex-ministro Edison Lobão na Suíça possam ter sido abastecidas com pagamentos ilegais relacionados com os contratos da obra. Defesa insiste que movimentação envolvia recursos legítimos. Dados foram encaminhados ao Brasil.

GENEBRA – Autoridades suíças enviaram ao Brasil os extratos de contas que são suspeitas de terem recebido propinas relativas às obras da Usina de Belo Monte. O blog obteve documentos oficiais das cortes suíças que revelam "atividades suspeitas" em contas da família de Edison Lobão (MDB), ex-ministro de Minas e Energia nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).

O processo começou ainda em 2017. Naquele momento, a Polícia Federal no Brasil solicitou a cooperação dos suíços no que se refere às suspeitas de que contas relativas a políticos brasileiros tenham sido abastecidas com dinheiro dos contratos da usina no Pará.

A obra também foi alvo da 49ª fase da operação Lava Jato, que ganhou o nome de Buona Fortuna. Com base no relato de delatores, o Ministério Público Federal (MPF) suspeita que o ex-ministro e ex-deputado federal Antônio Delfim Netto teria recebido cerca de R$ 15 milhões em propina. Mas outros R$ 125 milhões poderiam ter sido ainda divididos entre o MDB e o PT, de acordo com as delações premiadas e as informações enviadas pela PF para os suíços.

No dia 8 de março de 2017, Berna recebeu da PF o pedido para congelar os bens em contas relacionadas a Edison Lobão e seu filho, Marcio Lobão, assim como a transmissão dos dados bancários entre 2011 e 2014.

Em 19 de abril daquele mesmo ano, foi dado o sinal verde por parte das autoridades suíças para que o processo de coleta de informações nos bancos fosse iniciado. Uma das suspeitas era de que Márcio Lobão teria recebido R$ 600 mil, além de outros R$ 2 milhões para o próprio ex-ministro.

"Essas acusações estão baseadas em declarações de dois funcionários de empresas que reconheceram terem feito tais pagamentos", declarou um tribunal suíço, com sede em Lausanne.

De acordo com os suíços, cinco contas bancárias foram descobertas em nome de filhos de Lobão, em três bancos diferentes. Todas elas foram congeladas. Segundo as autoridades suíças, os brasileiros "expressamente solicitaram os documentos de abertura, as fichas de assinatura e identificação dos donos e beneficiários, para que seja analisada a relação entre os valores eventualmente depositados nas contas na Suíça e os pagamentos efetuados por empresas contratadas para a construção da Usina de Belo Monte".

Berna ainda indicou em um informe sobre inteligência financeira que, depois das revelações da possível implicação de Lobão com o esquema de propinas, as contas de seus filhos na Suíça foram alvos de "atividades suspeitas". Essas movimentações foram "registradas na base de dados da célula suíça de inteligência financeira". "Esses fatos foram repassados para o conhecimento de autoridades penais suíças", completou o Tribunal Penal da Suíça.

Em fevereiro de 2018, a família Lobão entrou com recurso na Suíça para evitar que os dados fossem transmitidos ao Brasil, assim como num esforço para descongelar as contas. Mas, no dia 18 de outubro de 2018, o recurso foi rejeitado pelo Tribunal Penal em Lausanne.

Legítimos – Para tentar evitar o envio dos dados, os advogados de defesa alegaram que os recursos encontrados nas contas identificadas pelos suíços são legítimos e que, portanto, o congelamento do dinheiro é "desproporcional". Além disso, insistiram que não existem provas do "crime original".

Ao blog, o Ministério Público da Suíça confirmou que os argumentos da defesa foram derrubados nas cortes e que, portanto, os dados foram enviados ao Brasil de forma oficial.

Com a informação transmitida pela Suíça, a esperança dos investigadores é de identificar quem pagou e qual foi a rota do dinheiro denunciado por delatores. As contas ainda poderiam dar novas indicações das movimentações do ex-ministro, assim como eventuais depósitos e transferências.

A defesa do ex-senador ainda indicou que ele "jamais teve conta na Suíça ou em qualquer outro país". "Dois filhos do senador possuem conta há muitos anos na Suiça sem que o senador tenha qualquer vinculação com estas contas", insistiu. "O advogado do filho do Edson Lobão ja veio a público esclarecer que as contas estão declaradas no Imposto de Renda deles e está funcionando normalmente pois nenhuma irregularidade foi detectada", apontou.

De acordo com a defesa, a entregue dos extratos citados comprovará que "as tais contas não possuem absolutamente nenhuma relação com o ex-senador".

Um comunicado assinado ainda pelos advogados Aristides Junqueira e Luciana Alvarenga esclarece ainda que "as contas nunca serviram para recebimento de valores indevidos" e que um levantamento realizado pelos suíços em dezembro de 2018 chegou supostamente à mesma conclusão.

 

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)