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Jamil Chade

Subornos brasileiros em contas secretas abasteceram governo de Hugo Chávez

Jamil Chade

01/03/2019 07h49

Documentos obtidos pelo blog revelam como executivo da Odebrecht chegou a ter contas conjuntas com operadores de Caracas. Hugo Chavez recebeu o codinome de "Camelo". 

 

 

GENEBRA – Indiscutivelmente capitalista, repleta de bancos e sem qualquer relação com a luta anti-imperialista de Hugo Chávez, a Suíça foi transformada no centro de uma plataforma do esquema de subornos que alimentou a cúpula bolivariana do governo do ex-presidente da Venezuela, falecido em 2013.

Documentos obtidos pelo blog a partir de investigações realizadas por autoridades suíças e venezuelanas apontam que, sob o ex-comandante, Caracas pagou dívidas atrasadas com a construtora e deu contratos bilionários para a empresa brasileira apenas depois que um canal de pagamento de subornos foi estabelecido na Suíça.

Numa das planilhas dos investigadores, as propinas ao governo de Chávez eram marcadas com a palavra "Camelo". Fontes próximas à empresa revelaram que o apelido se referia ao ex-presidente.

Ainda em 2017, as autoridades suíças iniciaram um exame da relação entre a Odebrecht e pagamentos a operadores venezuelanos. O centro da investigação passou a ser Héctor Dager Gaspard, considerado como o homem que intermediava os pagamentos à cúpula do governo de Hugo Chávez.

Entre julho de 2008 e março de 2016, os suíços estimam que US$ 49 milhões foram pagos direta ou indiretamente pela construtora a contas comandadas pelo operador. Mas isso pode ter sido apenas uma parte do esquema. No total, as contas secretas de Dager movimentaram US$ 64,8 milhões.

A partir dos servidores secretos da Odebrecht, os investigadores conseguiram identificar quais foram as obras que motivaram os pagamentos de subornos.

Pelo projeto da hidroelétrica de Tocoma, a propina paga pela Odebrecht chegou a US$ 4,8 milhões. A obra era uma das prioridades de Chávez, que anunciou seu projeto ainda em 2002. Em 2005, as licitações foram iniciadas. Repleta de problemas, as obras levaram anos para começar. Sua conclusão, em 2012, foi adiada por mais outros cinco anos.

Em 2017, um levantamento da Assembleia Nacional Venezuelana chegou à conclusão de que o projeto havia causado um prejuízo de US$ 3 bilhões para o tesouro do país.

Pelo projeto El Diluvio Palmar, foram mais US$ 3,1 milhões. Com ênfase na produção agrícola, a obra de US$ 137 milhões começou em 2003. Mas, em 2017, apenas 40% dela estava concluída, de acordo com a Assembleia Nacional.

A Linha 5 do Metro de Caracas foi ainda motivo para mais um pagamento de US$ 2,5 milhões. A previsão era de que, em 2010, os 15 quilômetros estivessem concluídos. Mas, em 2017, o levantamento da Assembleia Nacional indicou que apenas 1,3 quilômetro estava pronto.

As obras da Ponte Nigale ainda permitiram um pagamento de US$ 1,3 milhão em propinas. Os trabalhos começaram em 2006 e a previsão era de que estivessem concluídos em 2010 por um valor de US$ 152 milhões. Em 2017, a obra ainda não estava pronta.

Sapo – No total, Dager controlava 27 contas em bancos suíços. Mas o que chamou a atenção dos investigadores é de que, em cinco delas, um executivo da própria Odebrecht, Euzenando Prazeres de Azevedo, era beneficiário e com direitos de movimentar os recursos.

Ele foi o diretor da construtora na Venezuela e recebeu o apelido de "Sapo". Ao longo dos anos, passou a ser uma pessoa de confiança de Chávez. Mas, com sua morte, acabou deixando o país.

Os dados apontam que as contas conjuntas estavam nos bancos Pictet e UBP. De acordo com os suíços, porém, todo o dinheiro foi retirado antes de essas contas terem sido identificadas.

Numa outra planilha preparada por investigadores, onze depósitos em contas na Suíça entre 2011 e 2012 revelam uma transferência de propinas de mais de US$ 4,5 milhões. Nesse caso, o codinome indicado é "Camelo", o mesmo usado pela Odebrecht para se referir a Chávez. O pagamento teria uma relação com os contratos do Metro Guarenas.

Os pagamentos coincidem com ordens emitidas por Chávez para que seus ministros implementem as obras e façam os desembolsos necessários para a Odebrecht.

Num documento de 9 de fevereiro de 2012, por exemplo, o ex-presidente escreve à mão ao seu vice, Elias Jaua. "Aplicar máxima atenção a esses projetos" (ver imagem abaixo). 

Procurada, a empresa indicou que "tem colaborado de forma eficaz com as autoridades em busca do pleno esclarecimento dos fatos narrados pela empresa e seus ex-executivos". "A Odebrecht já usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente", completou.

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)