“Damares não representa a maioria das brasileiras", diz viúva de Marielle
Monica Benício, viuva de Marielle Franco, denuncia Brasil na ONU e diz que impunidade segue. Em entrevista ao blog, ela revelou também que ataques contra nas redes sociais e ofensas na rua aumentaram.
GENEBRA – A ativista Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, denuncia o estado brasileiro na ONU e as tentativas de silenciar feministas. Num discurso no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, nesta quinta-feira, ela lembrou que o crime cometido em 14 de março de 2018 "continua impune".
Em entrevista ao blog, Monica explicou que o objetivo de sua presença na ONU é a de "dizer ao mundo a conjuntura que existe no Brasil". "Marielle é um símbolo de todo o caos que temos vivido", disse.
A ativista não poupou críticas à chefe da pasta de Direitos Humanos no Brasil, a ministra Damares Alves. "No Brasil, jagunços tomavam conta de escravos. Homens negros tomavam conta de homens negros. Hoje, temos uma mulher na pasta de direitos humanos e da família, seja la qual for essa família que eles estão tentando nos impor", criticou.
"Ela não me representa e não representa nenhuma mulher que tenha o objectivo de ser livre no Brasil", afirmou.
No início da semana, Damares ignorou o caso de Marielle ao passar pela ONU. Apesar de insistir que quer defender os ativistas de direitos humanos, um dos principais casos mencionados pela ONU ao longo dos últimos meses – o assassinato de Marielle Franco – não foi citado pelo governo brasileiro.
Na avaliação da ministra, o local não era adequado. "Nós temos outros casos no Brasil. Por que citar tão somente o caso de Marielle? Poderíamos fazer uma lista", declarou. "Não era um ambiente de prestação de conta do caso Marielle. O recado que queríamos mandar é que os defensores de direitos humanos estão sendo protegidos no Brasil", garantiu. Relatores da ONU já criticaram em diversas ocasiões a ausência de uma ação do estado brasileiro para proteger ativistas.
Nesta quinta-feira, ao blog, Monica deu sua resposta. "É profundamente equivocado e burro a colocação que ela faz e lamentável", disse. "Ela (Damares) não consegue entender porque Marielle é um símbolo de uma transformação social que precisamos com urgência no Brasil. Não é porque ela era minha companheira ou por ser especial, mas por ser uma pessoa política, a ministra deveria entender que Marielle representa uma pauta de direitos humanos fundamental", afirmou.
"Marielle era vereadora, negra, favelada, lésbica. No seu corpo, representava todas suas pautas. Por isso é um símbolo, não por ser uma pessoa querida. Ela (Damares), como ministra de Direitos Humanos, deveria saber disso", insistiu.
Monica fez questão de explicar que um de seus objetivos na ONU é o de dizer ao mundo que não é porque há uma mulher na pasta de Direitos Humanos que ela representa os interesses das mulheres no Brasil. "Ela (Damares) não me representa e acredito que não representa a maioria das mulheres no Brasil", disse.
Sobre as investigações, Monica lamenta a falta de avanço para esclarecer os autores e motivos do crime. "Estamos dizendo ao mundo que não estamos em lugar nenhum. O que sabemos vem da imprensa. As autoridades sequer nos dizem se é verdade ou não o que está sendo divulgado", se queixou.
"Mais importante do que pedir Justiça por Marielle é cobrar do estado quem foi que mandou mata-la. Essa é a garantia de seu legado. É por isso que ela estaria lutando", disse. "Se queremos garantias de democracia no Brasil, o estado precisa dar uma resposta sobre quem mandou matar", afirmou.
Mônica faz parte do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, no Brasil. Mas questionada se se sente segura, ela é direta: "de forma nenhuma". Segundo a ativista, os ataques nas redes sociais e as ofensas nas ruas aumentaram nos últimos meses. "Ficou um pouco pior. Mas não darei qualquer passo atras", prometeu.
No seu discurso na plenária da ONU, seu recado foi mais amplo. "No Brasil, nos preocupa a utilização do conceito de ideologia de gênero para atacar a liberdade de expressão e associação das defensoras de direitos humanos, em especial as feministas, silenciando as vozes de mulheres e sua influência no processo de tomada de decisão", declarou Mônica.
Para ela, é importante que o estado brasileiro "se comprometa com uma política de proteção holística para as defensoras". "É importar que o Brasil mantenha seu compromisso com o sistema da ONU e garanta a visita oficiais para assegurar que o relator possa monitorar e contribuir com soluções para a situação brasileira", disse.
Gravata – Mônica havia colocado uma camisa com uma frase sobre Marielle. Mas foi orientada a não fazer o discurso com ela. Como resposta, virou a camisa e emprestou uma gravata azul. "O azul é para a Damares", ironizou.
Além do discurso, Monica e a liderança quilombola e membro da coordenação da Conaq, Sandra Braga, se reuniram com Relator Especial sobre a situação de defensores de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michel Forst. Elas estiveram acompanhadas por Luciana Pivato, da entidade Terra de Direitos.
Elas apresentaram dados sobre as múltiplas violências sofridas pelas defensoras de direitos humanos no Brasil.
"A comitiva brasileira destacou ao relator a gravidade das múltiplas violências sofridas por mulheres que defendem direitos humanos no Brasil, destacaram a importância de uma visita oficial do relator para monitoras e contribuir com soluções para a situação brasileira e a necessidade de monitoramento do andamento das investigações sobre o assassinato da vereadora, mulher negra e periférica, Marielle Franco", indicou um comunicado emitido pela entidade Terra de Direitos.
Os dados apresentados por Mônica à ONU apontam para 176 mulheres foram mortas em 2019. Citando ainda dados do Instituto Patrícia Galvão, Monica apontou que, no Brasil, "uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, uma mulher é assassinada a cada 2 horas, 503 mulheres são vítimas de agressão a cada hora e cinco são espancadas a cada 2 minutos".
ERRATA: Diferentemente do informado neste post, o assassinato de Marielle aconteceu no dia 14 de março de 2018, e não em 26 de fevereiro. A informação foi corrigida.
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